Folha de S.Paulo

Suprema inseguranç­a

- DEMÉTRIO MAGNOLI

JOSÉ ROBERTO Batochio criticou, perante o STF, o “Judiciário que legisla”. Nesse ponto, o advogado de Lula tem razão. Na quinta (22), a Corte Suprema patinou na lama de seus próprios excessos.

A decisão prévia, de admitir a análise do habeas corpus (HC) de Lula, evidenciou que os ministros em minoria (Fachin, Barroso, Cármen Lúcia e Fux) atingiram um paroxismo populista: na prática, a posição deles equivale à abolição do instituto do HC, o pilar central do moderno direito ocidental. Já a decisão liminar, de impedir a prisão do condenado até o julgamento do HC, adotada por 6 a 5, revela (por vias tortas) que inverteu-se a maioria favorável ao cumpriment­o de sentença de segunda instância. Depois de inutilizar­em a bússola da Constituiç­ão, os juízes legislador­es movem-se sem rumo em terra desconheci­da.

Faz tempo que o STF rasga a Constituiç­ão para ser fiel à “voz das ruas” — ou,defato,acorrentes­deopiniãoi­nfluentes que gritam em nome do “povo”. Lá atrás, os ministros ignoraram os artigos sobre a igualdade perante a lei no lixo a lei do impeachmen­t para conservar os direitos políticos de Dilma Rousseff; entregaram-se ao puro arbítrio, suspendend­o mandatos parlamenta­res; associaram-se à operação suja de Janot na homologaçã­o do acordo de imunidade judicial para Joesley; cassaram a prerrogati­va presidenci­al de indultar presos. No percurso, operando como sindicalis­tas, eternizam os ultrajante­s privilégio­s corporativ­os dos companheir­os juízes.

Há uma ironia notável na circunstân­cia de que Lula esteja na alça de mira da prisão após sentença de segunda instância. O “Supremo tempo marcado pelo lulismo, que cultua a “vontade do povo” e desprezaal­etradalei.

A minoria disposta a qualquer exotismo, inclusive extinguir o HC, compõe-se de ideólogos do ativismo judicial desenfread­o (Barroso, Fachin) e figuras fascinadas pela luz dos holofotes (Cármen Lúcia, Fux). Mas a liberdade absoluta de legislar por meio da toga também atrai o interesse de ministros propensos a fazer agrados político-partidário­s (Lewandowsk­i, Mendes). Na falta da baliza constituci­onal, vale tudo. O vale-tudo judicial, porém, exi- folhas do acordo Janot/Joesley e, um tanto ruborizado­s, ensaiam a valsa do arrependim­ento no tema da prisão após segunda instância.

“Prender Lula agora é mostrar que a lei é para todos”, escreveu o agitador de Facebook e, nas horas vagas, procurador regional Carlos Fernando Lima. Ninguém deve ser preso exemplarme­nte (“mostrar que a lei é para todos”). Indivíduos devem ser presos como punição por atos criminosos —e segundo a lei, que não é idêntica à vontade de petistas fanáticos, antipetist­as maníacos ou procurador­es missionári­os.

Dois anos atrás, o Supremo violou o texto explícito da Constituiç­ão para permitir a prisão antes dos recursos derradeiro­s. Fácil e legal seria criar varas especiais, vinculadas ao STF e ao STJ, para ace- Revolucion­ário jacobino. Agora, na curva sinuosa do arrependim­ento, por uma manobra vulgar de Cármen Lúcia, reformam a decisão original fingindo apreciar o HC de Lula.

O STF existe para, resguardan­do a Constituiç­ão, oferecer segurança jurídica à sociedade. Nosso STF, contudo, acostumou-se a escrever constituiç­ões informais, até se tornar uma linha de produção de inseguranç­a. O show continua, no 4 de abril.

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