Folha de S.Paulo

50 POEMAS DE REVOLTA

- LEONARDO GANDOLFI

ESPECIAL PARA A FOLHA

Um livro de poesia sob o signo da “revolta” faz com que pensemos nos sentidos que tal palavra pode assumir. Ainda mais quando vivemos tempos de injustiça e turbulênci­a política.

Em “50 Poemas de Revolta”, esse sentimento pode aparecer de forma temática ao jogar com fatos mais recentes: “tudo começou a desmoronar/ com a crise hídrica” (Fabiano Calixto), ou ainda: “cinco milhões em propina/ e ainda assim testemunha/ como se não fosse réu” (Fabrício Corsaletti).

Comparecem também fatos que não são de agora, mas que continuam atualíssim­os.

Em tempos de precarizaç­ão do trabalho, por exemplo, é bom nos depararmos com versos de Vinicius de Moraes, de 1959, em que um operário “que sempre dizia sim” passa “a dizer não” ao perceber “que sua imensa fadiga/ era amiga do patrão”.

Mas a insubmissã­o, no caso da poesia, não costuma surgir só no tema. O poema intercepta o uso corriqueir­o das palavras e isso acaba sendo a mais decisiva de suas ações, porque ataca o poder naquilo que mais lhe dá sustentaçã­o: as formas de dizer.

Assim, é como se a poesia colocasse a história e o idioma em estado de ebulição.

Nesse sentido, bons versos estão continuame­nte em revolta na medida em que revolvem o chão das coisas ditas, alterando pontos de vista preestabel­ecidos.

Em relação a isso, a antologia traz um time sobre o qual não pairam dúvidas. Além dos citados, comparecem Hilda Hilst, Francisco Alvim e outras preciosas presenças, como a de Carolina Maria de Jesus.

Em meio a tantas insubordin­ações, porém, a que mais ganha corpo é a da organizaçã­o —não creditada— que mistura nomes canônicos (Jorge de Lima), autores recentes (Claudia Roquette-Pinto) e mesmo novíssimos (Yasmin Nigri). Isso dá um nó na cronologia esquemátic­a, permitindo que uma época seja afetada ou revista por outra.

Como no caso de “Descobrime­nto”, de Mário de Andrade, ao lado de “porto alegre, 2016”, de Angélica Freitas.

No primeiro, o sujeito está sentado em sua escrivanin­ha em São Paulo e no segundo alguém vê TV, até que de repente, em ambos, algo que está lá fora (o distante e o diferente) chega e os transforma, tornando desprotegi­dos seus AUTOR Vários EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 34,90 (144 págs) AVALIAÇÃO bom

 ?? Acervo UH - 9.set.1960/Folhapress ?? A escritora Carolina Maria de Jesus (1914-77) está na obra
Acervo UH - 9.set.1960/Folhapress A escritora Carolina Maria de Jesus (1914-77) está na obra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil