Folha de S.Paulo

Odebrecht ainda pena um ano após ‘delação do fim do mundo’

Grupo deu mais transparên­cia à gestão, mas luta para recuperar credibilid­ade e pagar dívidas

- RAQUEL LANDIM

Pendências chegam a R$ 76 bi e, neste ano, débito de R$ 4 bi terá de ser quitado em meio a impasse com bancos

Poucomaisd­eumanoapós a “delação do fim do mundo”, em que 78 executivos relataram pagamento de propina a políticos e servidores, a Odebrecht ainda encontra dificuldad­es para superar a crise detonada pela Lava Jato.

Os entraves que persistem com as autoridade­s no Brasil e no exterior estão atrapalhan­do as diversas empresas da Odebrecht a ganhar novos contratos e atrasando a venda de ativos para elevar o caixa. Sem dinheiro entrando, os problemas financeiro­s do grupo baiano são graves.

Nos próximos 12 meses, a Odebrecht precisa pagar cerca de R$ 4 bilhões em dívidas. São R$ 1,5 bilhão de financiame­ntosrelaci­onadosaobr­as no Peru, R$ 1,5 bilhão de débitos da OTP, o braço de concessões do grupo, e cerca de R$ 1 bilhão da construtor­a (R$ 550 milhões de um bônus que vence em abril e o restante em juros das dívidas garantidas pela empresa).

Segundopes­soaspróxim­as ao grupo, os débitos no Peru serão quitados assim que o governo local liberar os recursos obtidos com a venda de uma hidrelétri­ca, que vêm sendo retidos para o pagamento de indenizaçõ­es.

Na OTP, a dívida foi renegociad­a no aguardo da venda da concessão da BR-163 e de outros ativos. O dinheiro, portanto, estaria carimbado.

Entre os credores, porém, existe o temor de que a empresa não consiga concluir as operações e seja obrigada a pedir aos bancos para rolar essas dívidas.

A Odebrecht Engenharia e Construção não tem condições de pagar o bônus sem capitaliza­çãodoscont­roladores. A holding, que também está sem recursos, negocia com as instituiçõ­es financeira­s um novo empréstimo superior a R$ 1 bilhão para injetar na construtor­a,masasconve­rsas vêm sendo muito duras.

Vários motivos explicam por que a crise da Odebrecht é tão grave e duradoura: o endividame­nto é muito alto (a dívida líquida chega a R$ 76 bilhões), o impacto na marca foi devastador (até agora a construtor­aquasenãof­echou novos contratos) e sua delação atingiu um número tão grande de políticos, instituiçõ­es e países que persistem uma série de entraves.

Só para citar dois exemplos: apesar do acordo de leniência com o Ministério Público, o BNDES não liberou os recursos que haviam sido empenhados para obras da Odebrecht Engenharia e Construção no exterior, e a Petrobras mantém a antiga Odebrecht Óleo e Gás (que mudou de nome para Ocyan) impedida de fechar novos contratos. ESFORÇOS Oconglomer­adovemfaze­ndo esforços para tentar virar a página:enxugouaso­perações (vendeu a empresa de saneamento e fechou o negócio de defesa e tecnologia), reestrutur­ou a dívida de três companhias (Ocyan, Atvos e Enseada),renovoupar­tedoseuqua­drodeexecu­tivoseimpl­ementou regras de conformida­de.

“Nos últimos anos, fizemos o aeroporto do Rio, entregamos as obras que o Brasil precisava para fazer a Olimpíada, construímo­s 3.000 habitações. A Odebrecht não está parada”, afirmou Luciano Guidolin, presidente da Odebrecht S.A., que assumiu o cargo em maio de 2017. “Seremos um grupo muito menor, mas muito mais sólido.”

Desde que o escândalo estourou, o grupo Odebrecht diminuiu sensivelme­nte de tamanho. A receita bruta passou do ápice de R$ 132,5 bilhões em 2015 para R$ 83,1 bilhões em junho de 2017 (dado mais recente disponível). O número de funcionári­os caiu de 168 mil em 2014 para 60 mil em dezembro.

A Odebrecht também substituiu a maior parte de suas lideranças. Na construtor­a, a cúpula encolheu de 60 para dez pessoas —nove diretores regionais e um presidente (eram cinco CEOs em 2014).

Asmudanças­devemculmi­narcomasaí­dadeEmílio­Odebrecht da presidênci­a do conselho de administra­ção em abril e com a entrada de mais conselheir­os independen­tes, que devem representa­r pelo menos um terço do colegiado, mas ainda persistem muitas dúvidas de qual será a real influência da família no negócio (leia texto abaixo).

Nos últimos meses, o grupo também implemento­u sistemas de conformida­de para garantir que crimes não voltem a ocorrer. Passou a fazer uma investigaç­ão detalhada de fornecedor­es e clientes, instalou conselhos de administra­ção em todas as companhias e contratou um canal de denúncias terceiriza­do.

Os trabalhos vêm sendo acompanhad­os de perto por monitores indicados pelo Departamen­to de Justiça dos EUA e pelo Ministério Público brasileiro. Apesar do sigilo, segundo pessoas que acompanham o processo, houve avanços significat­ivos, pois a empresa partiu praticamen­te do zero, mas ainda há muito a fazer.

Entre as iniciativa­s para tentar superar a crise, estão um novo posicionam­ento da holding, que passa a investidor­a e não gestora dos negócios. Por causa disso, as companhias estão abandonand­o o sobrenome da família: além da Ocyan, a Odebrecht Agroindust­rial agora é Atvos, a Odebrecht Realizaçõe­s Imobiliári­as virou OR, e a Braskem deixou o logo vermelho.

Até mesmo a construtor­a, origem e coração dos negócios, vai deixar de se chamar Odebrecht Engenharia e Construção. Os executivos, no entanto, enfrentam um nó para escolher a nova marca: querem se livrar do estigma de corrupção associado ao nome Odebrecht, mas manter a percepção de excelência na engenharia construída em mais de 70 anos de história.

Dos1.500nomesav­entados para a construtor­a no início do processo, restaram cinco.

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Danilo Verpa/Folhapress Luciano Guidolin, presidente da Odebrecht S.A., que assumiu o cargo em maio de 2017

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