Folha de S.Paulo

In feriadão pro reo

- CELSO ROCHA DE BARROS

O ADIAMENTO da decisão do STF sobre o habeas corpus de Lula não pode ser entendido sem levar em conta a semana que o precedeu. Puxando pela memória, é difícil lembrar de algum outro momento recente em que conflitos políticos tenham interferid­o tão claramente no funcioname­nto da corte. As manobras, na verdade, foram duas.

Ao fazer o possível para tirar Luís Roberto Barroso do sério —no que foi bem-sucedido— Gilmar Mendes conseguiu pôr em prática o que acordou de manhã para fazer. No meio da briga, insinuou que Barroso ainda manteria vínculos com o escritório de advocacia em que trabalhou antes de entrar para o Supremo. Tanto quanto sabemos, a acusação é falsa. Mas serve aos propósitos de Michel Temer, pois Barroso resolveu levar a sério as muitas acusações de corrupção contra Temer. O pitbull de Temer, Carlos Marun, já chegou a propor o impeachmen­t das intrigas de bastidores insufladas por Temer.

Paralelame­nte, outro conflito de grandes proporções agitava os bastidores. Como se sabe, a ministra Cármen Lúcia não se dispõe a colocar em votação a revisão da prisão após condenação em segunda instância.

Há juristas razoáveis que argumentam que a prisão após a segunda instância é mesmo inconstitu­cional. Se isso for verdade, o foco do público deveria estar em exigir de de alterar a Constituiç­ão.

Mas mesmo se a prisão após a segunda instância for mesmo inconstitu­cional, resta o fato de que o STF manifestou-se a favor da proposta faz muito pouco tempo. Colocar o assunto em pauta de novo teria toda cara de avacalhaçã­o.

Vamos ver se vocês imaginam quem é que está avacalhand­o a coisa toda: pois é, o Gilmar de novo. a decisão da corte.

O habeas corpus de Lula foi colocado em votação como manobra de Cármen Lúcia para evitar uma insurreiçã­o contra a prisão após segunda instância. A sessão de votação do HC atrasou porque houve uma questão preliminar sobre a procedênci­a de julgar o habeas corpus. Esse é o tipo de questão que, em uma semana normal, talvez pudesse ter sido discutida pelos ministros antes do julgamento. Mas não foi uma semana normal.

Quem esperava a festa da prisão de Lula no dia de hoje ficou frustrado, mas não está claro que Lula tenha ganho muito mais do que o direito livrar da cadeia quando todo mundo se livrar: quando a revisão da prisão em segunda instância for votada.

Não há muito o que fazer: se as grandes decisões políticas forem para o Judiciário, a política irá seguilas, porque a política vai para onde o poder estiver.

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