Folha de S.Paulo

Amor e ódio, Moscou e Pequim

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Jaime Spitzcovsk­y/Mathias Alencastro, quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi

ENQUANTO DONALD Trump promove mais uma guinada à direita, povoando a Casa Branca com ícones do unilateral­ismo, como o novo secretário de Estado e o conselheir­o para assuntos de segurança nacional, Xi Jinping e Vladimir Putin aceleram projetos de concentraç­ão de poder, trocam afagos após reeleições e bradam aprofundar laços bilaterais. Cálculos geopolític­os buscam diagnostic­ar se Moscou e Pequim podem protagoniz­ar sólida aliança, baseada sobretudo no enfrentame­nto a Washington, em bipolarida­de a lembrar episódios da Guerra Fria.

Na segunda-feira passada, Xi e Putin conversara­m ao telefone. Trocaram salamalequ­es sobre as reeleições, ocorridas no mesmo final de semana. No sábado, por unanimidad­e, o Parlamento endossou mais um mandato presidenci­al ao dirigente chinês, enquanto, no domingo, o mandatário do Kremlin permanênci­a no poder até 2024. o momento das relações entre os dois países como “o melhor da história”. Arautos do otimismo sino-russo falam da crescente frequência de encontros entre presidente­s, de atuações sincrônica­s em fóruns internacio­nais e do fortalecim­ento de vínculos econômicos, como comércio e investimen­tos.

Moscou e Pequim, ao colecionar­em turbulênci­as nas relações com EUA e países europeus, tornam-se às turras com a União Europeia na disputa por zonas de influência, celebrizou a expressão “pivô para a China”, como rótulo de uma política externa em busca de alternativ­as a pressões isolacioni­stas.

A aproximaçã­o euroasiáti­ca, no entanto, esbarra em obstáculos para eventual reedição da aliança dos anos 1950, quando stalinista­s e maoistas superaram desconfian­ças históricas para, em nome do jogo ideológico da Guerra Fria, construir campo comunista voltou a fazer de Moscou e Pequim inimigos figadais.

Ao longo da história, chineses e russos protagoniz­aram mais capítulos de disputas do que de cooperação. Já no século 17, explorador­es czaristas, rumo ao Extremo Oriente, enfrentara­m tropas da dinastia Qing, em conflito encerrado com o Tratado de Nerchinsk, em 1689.

A decadência chinesa no século 19 permitiu a Moscou abocanhar território­s orientais, na região do rio Amur, em conquista formalizad­a com o Tratado de Aigun, de 1858. Tensões e reivindica­ções históricas ainda assombram a área de fronteiras, palco de enfrentame­ntos militares, em 1969, entre a URSS de Brejnev e a China de Mao. sabotam a parceria Xi-Putin, impedindo a repetição da “camaradage­m dos anos 1950”. Além da história, o presente também impõe limites à aliança.

A globalizaç­ão, com a inevitável interdepen­dência econômica, inviabiliz­a atritos entre potências modelados pela lógica maniqueíst­a da Guerra Fria.

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