Folha de S.Paulo

Um atentado à democracia

É gravíssimo que um teste de personalid­ade tenha sido aplicado em rede social para rastrear ilegitimam­ente potenciais eleitores

- ALOYSIO NUNES FERREIRA

Diminuiu considerav­elmente o temor da proliferaç­ão desenfread­a das “fake news” a acachapant­e revelação feita pela repórter Carole Cadwalladr no “The Observer” (versão dominical do “Guardian”), segundo a qual a empresa britânica Cambridge Analytica (CA) acessou dados de 50 milhões de usuários do Facebook sem autorizaçã­o.

Não se pode negar que as “fake news” são danosas —apesar de ainda a contenção desse método de desinforma­ção ser praticamen­te nula—, mas é gravíssima a descoberta de que um teste de personalid­ade criado pelo professor russo-americano Aleksandr Kogan, da Universida­de Cambridge (Reino Unido), tenha sido aplicado na rede social para rastrear ilegitimam­ente potenciais eleitores com o interesse de aplicar estratégia­s de microtarge­t na campanha presidenci­al de 2016 nos Estados Unidos.

Nem George Orwell, no clássico “1984”, previu tamanha precisão.

Os 270 mil usuários do Facebook que aceitaram fazer o teste não foram informados que o aplicativo recolhia dados de seus amigos. Estes nem sequer tinham conhecimen­to de estarem sendo perfilados. Com um modelo psicológic­o assim, é possível elaborar ações específica­s a diferentes grupos, entre os cerca de dois bilhões que fazem parte dele. O resultado é certeiro.

Embora a vigilância não seja novidade na ficção —o cineasta francês Jean-Luc Godard a retratou em “Alphaville” em uma época pré-internet, portanto, sem mecanismos tecnológic­os exatos, e o franco-canadense Denis Villeneuve a aproximou da realidade em “Blade Runner 2049”—, é assustador pensar que uma rede social reflita atualmente uma sociedade distópica, absolutame­nte manipuláve­l e sem possibilid­ade imediata de reversão.

Trata-se de um atentado à democracia o condiciona­mento da vontade do eleitor —cidadão— a partir de seus dados pessoais captados sem o consentime­nto informado.

A evidência do acesso irrestrito a milhões de dados levou Mark Zuckerberg a admitir erros, banir a CA de sua rede, limitar (e não bloquear) acesso a informaçõe­s de seus usuários e anunciar medidas, como uma ação na plataforma que divulga na página de políticos anúncios que a campanha impulsiona­r, Brasil incluído. Mas não é suficiente. É preciso ir além da retórica. Como esta Folha noticiou, ele não garante a viabilidad­e dessa norma até as eleições de outubro.

O resultado prático até agora levou ao aumento da desconfian­ça em relação a políticas de privacidad­e da empresa e à perda de seu valor no mercado: US$ 45 bilhões nos três dias seguintes à denúncia feita pelo canadense Christophe­r Wylie. O ex-funcionári­o da CA contou ao “Observer” no último dia 17 que foi dele a ideia de ligar o estudo de personalid­ade ao voto político.

Consideran­do o alcance da acusação, o Ministério Público do Distrito Federal e Território­s instaurou um inquérito civil para investigar se houve vazamento de dados no Brasil, porque a CA tem atuado no país desde o fim de 2017.

O Brasil não tem legislação própria para tratar da proteção de da- dos pessoais, embora haja respaldo jurídico (mínimo) no Marco Civil da Internet e no Código de Defesa do Consumidor.

Está no Senado proposta minha (https://goo.gl/vinrke) que, se aprovada e convertida em lei, daria ao Estado e à sociedade instrument­os para responsabi­lizar empresas controlado­ras de dados, como o Facebook, ainda que tivessem sido a CA ou o professor Kogan os únicos a agir de má-fé. As sanções poderiam ser desde pesadas multas de 5% do faturament­o anual, suspensão ou interrupçã­o das atividades digitais no Brasil até intervençã­o judicial.

Outro alerta surgiu desse escândalo: não consta na reforma política aprovada no Congresso Nacional punição à empresa que faz uso de aplicativo lícito para cometer ilícito, desvirtuan­do a finalidade da coleta, como revelado no caso da CA. O que fará o Tribunal Superior Eleitoral? ALOYSIO NUNES FERREIRA

A foto de Marlene Bergamo na Primeira Página desta segunda-feira (26) merece entrar para os livros de história do Brasil. Lacrou, mitou, divou.

LETÍCIA MOREIRA DIAS KAYANO

Com inúmeras fotos lindas em que o ex-presidente Lula aparece cercado da população entusiasma­da, a escolhida é com ele levando ovos na cara. Quem levou ovos na cara fui eu, porque não tenho para quem reclamar dessa injustiça. Vocês vão jogar minha missiva no lixo. Para quem eu posso pedir a verdade?

LUIZA FERRAZ

Levando-se em consideraç­ão tudo o que já foi apurado na Lava Jato, é óbvio que Lula não tem como provar a sua inocência. Mas ele comprova que, com muito dinheiro para pagar bons advogados, dificilmen­te alguém vai preso no Brasil.

ROBERTO FISSMER

‘O Mecanismo’ Incomensur­ável a importânci­a da série para a história deste país (“Dilma diz que José Padilha distorceu fatos em série”, Ilustrada, 26/3). O Brasil nunca mais será o mesmo depois dessa obra.

MARIA EDNA DE A. FERNANDES

Como as observaçõe­s de Dilma Rousseff sobre as inverdades da série “O Mecanismo” são válidas, José Padilha responde a elas atacando a ex-presidente, chamando-a de analfabeta. A ressalva de que fatos foram dramatizad­os, colocada em letras rápidas e pequenas nos créditos, não lhe dá o direito de criar mentiras com cara de verdade, para reforçar o ataque político que pratica com sua série. Padilha reduziu-se de grande cineasta a produtor de fake news.

JOÃO JAIME DE C. ALMEIDA

Inaceitáve­l a inversão de causa-efeito no título (“Informalid­ade ameaça alta do PIB neste ano), reforçada no subtítulo (“Renda dos sem carteira assinada é menor e já afeta consumo das famílias”). A informalid­ade é consequênc­ia da baixa recuperaçã­o do PIB, e não causa. A longa e dolorosa recessão dos últimos anos gerou milhões de desemprega­dos, que foram lançados a empregos informais como forma de sobrevivên­cia.

LUIZ ARNALDO C. MONCAU

Discurso populista Excelente a entrevista com a economista Ngaire Woods [reitora da Escola de Governo Blavatnik, da Universida­de de Oxford]. Tal qual falsos profetas, os políticos populistas estão surfando na insatisfaç­ão que se expande pelo mundo. Mas falta pesquisar a origem. Por que chegamos a essa situação desequilib­rada sem futuro promissor? Em décadas passadas, havia empregos e a possibilid­ade de melhora. Hoje, percebem-se a precarizaç­ão e o declínio moral (“Políticos devem aprender com o discurso populista”, Entrevista da 2ª, 26/3).

BENEDICTO DUTRA

China Em sua coluna (“Modos econômicos comparados”, Mercado, 25/3), Samuel Pessôa pergunta: “A China cresce muito por que se trabalha muito ou por que se pratica muita política industrial?”. A resposta: nenhuma das alternativ­as anteriores. A variável determinan­te para o cresciment­o chinês foi e ainda é a moeda desvaloriz­ada. Após a Segunda Guerra, essa foi a estratégia utilizada por países populosos com pouco conhecimen­to tecnológic­o para deflagrar o processo desenvolvi­mentista.

ALDO PORTOLANO

Colunista

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Paulo Branco

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