Folha de S.Paulo

Caetano cita Marielle ao visitar exposição de Tarsila

Em Nova York, músico afirma que artista foi freio delicado e feminino ao ‘futurismo vulgar’ que marcou o modernismo no Brasil

- SILAS MARTÍ

Foi muito sutil, mas Caetano Veloso infiltrou um instante de protesto político dizendo “Marielle presente” ao encerrar sua fala sobre Tarsila do Amaral no MoMA. Dias depois do assassinat­o da vereadora, ele disse ver de outra forma outra negra, a visão de da modernista de uma ama de leite que abre a exposição.

“Esse quadro sempre me tocou, mas ver isso agora, chegando do Brasil, ele me tocou mais ainda”, disse ele.

“É uma coisa que o brasileiro entende logo. É uma mãe negra. Aquele peito diz muito sobre amamentaçã­o por negras de meninos negros e brancos”, completou.

Foi um dos eventos mais concorrido­s de uma noite de primavera nova-iorquina.

Na plateia, estavam artistas como Vik Muniz e Regina Silveira, o curador da próxima Bienal de São Paulo, Gabriel Pérez-Barreiro, o músico Arto Lindsay, colecionad­ores e poderosos do circuito artístico da maior metrópole dos Estados Unidos.

Tarsila, disse o cantor, foi um freio delicado e feminino ao “futurismo vulgar” que marcou o surgimento do modernismo no Brasil. E antecipou a mescla de alta e baixa cultura por trás da tropicália.

“Há muitas coisas que ligam o que fizemos e sonhamos em fazer no fim dos anos 1960 com o trabalho de Tarsila”, disse o músico, sentado diante de “Antropofag­ia” e ao lado do “Abaporu”. “Mas não foi um contato imediato com ela o que nos comoveu.”

Ele disse, no caso, que o interesse pela pintora surgiu depois de ver o “tapa na cara” que foi a montagem de “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, no Teatro Oficina de Zé Celso e, depois, se dar conta que, por trás do “Manifesto Antropófag­o”, havia essa mulher chamada Tarsila.

“Quando eu vi, pensei que aquilo era tudo que eu queria fazer no meu primeiro disco, que já estava pronto”, ele contou. “Fui então falar com Zé Celso e foi incrível. O cenário era incrível, e a peça era uma coisa nova, muito agressiva na estética. Isso foi uma coisa muito nova para mim.”

E essa coisa muito nova, tanto para ele quanto para a artista plástica, não tinha a missão de negar o passado.

Caetano afirmou que a força da obra de Tarsila do Amaral estava no resgate radical de cânones do passado —um refinament­o e uma sofisticaç­ão europeus revistos à luz das cores do baú de sua velha fazenda e das flores de papel da infância no interior.

“Outras pessoas seguiram o que chamo de um futurismo vulgar, que tinha a ambição de negar o passado, mas isso foi feito não para dizer que Velázquez não vale nada. Isso foi feito para dizer que ninguém pode passar incólume por Velázquez”, disse Caetano. “Ela deu mais vida à tradição do que negou.”

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Divulgação O dramaturgo e diretor franco-uruguaio Sergio Blanco

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