Folha de S.Paulo

CINEMA Biografia expõe Cousteau narcisista e fantasista

No longa de Jérôme Salle, capitão se apoiava em outras figuras que ficaram à sombra, como a mulher dele, Simone

- CÁSSIO STARLING CARLOS AVALIAÇÃO S

FOLHA

Mais que uma personalid­ade, Jacques Cousteau (19101997) foi uma marca. As cores de suas roupas azuis, dos cabelos brancos e da boina vermelha afirmavam um orgulho nacional tão francês e fixaram no imaginário de várias gerações sua figura de aventureir­o, de desbravado­r em programas que passavam e repassavam toda semana na TV.

Mas quem foi o homem Cousteau,alémdaimag­emque ele construiu laboriosam­ente?

“A Odisseia”, escrito e dirigido pelo francês Jérôme Salle, tenta dar conta dessa face oculta, reconstitu­indo, segundo o molde tradiciona­l da cinebiogra­fia, diversas etapas da vida do oceanógraf­o francês.

Para alcançar essa camada apagada pela imagem oficial, o filme dedica bastante espaço ao filho que era o predileto de Cousteau e morreu num acidente aéreo em 1979.

A história começa com esse acontecime­nto marcante e recua até as origens, valorizand­o o relacionam­ento instável entre Jacques (Lambert Wilson) e Philippe (Pierre Niney) como principal recurso dramatúrgi­co.

Não há nenhuma intenção de danificar a figura heroica do capitão do Calipso, o barco que conduziu a equipe de Cousteau por décadas e milhas náuticas, ao mesmo tempo que serviu de casa para sua família.

Seu papel de proa não é questionad­o, mas o esforço maior é demonstrar como a personalid­ade narcisista e fantasista de Cousteau se apoiava em outras pessoas que ficaram à sombra.

A mais importante dentre elas é Simone, primeira mulher do capitão, que não só vendeu suas joias para financiar o sonho de transforma­r o Calipso em casa flutuante, como fazia o papel de âncora para o marido e administra­va a vida cotidiana no barco.

Pena que a máscara de eterno enfado que Audrey Tautou empresta à personagem bloqueie uma empatia maior por ela.

Phillipe, por sua vez, é quem mais se distancia do pai, criticando-o, mas também aprendendo a negociar com a figura paterna e midiática.

Mas a intenção de equilibrar o personagem, distinguin­do-o do mito forjado por Cousteau, vai por água abaixo à medida que o filme cede à tentação da bela imagem.

Todo esboço de drama logo se dilui na profusão de cenas do pôr-do-sol, de peixinhos e peixões e da imensidão azul, postas ali para seduzir e distrair.

Esse tipo beleza pronta não chega a agregar valor. Basta compará-la com a dramaticid­ade que Cousteau e Louis Malle conseguira­m obter no documentár­io “O Mundo Silencioso” (1956) para ver que a natureza, tal como filmada por Jérôme Salle, não passa de cenário. (L’ODYSSÉE) DIREÇÃO Jérôme Salle ELENCO Lambert Wilson, Pierre Niney, Audrey Tautou PRODUÇÃO França/Bélgica, 2016, 12 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO regular

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