Folha de S.Paulo

Quantas vidas tem um desenho?

- REINALDO FIGUEIREDO COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão, domingo: Ricardo Araújo Pereira, segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão

NA REVISTA Pif-Paf, lançada por Millôr Fernandes em 1964, tinha sempre uma seção chamada “PifPaf analisa uma piada”, onde um cartum era totalmente dissecado e interpreta­do, em todas as suas possibilid­ades, com direito a altas divagações, na busca insaciável dos verdadeiro­s significad­os da obra. E o texto sempre começava com a palavra “evidenteme­nte”. Hoje tenho a oportunida­de de fazer uma coisa parecida, mas a cobaia do experiment­o será um desenho que eu mesmo fiz.

Evidenteme­nte, trata-se de um desenho de humor cujo alvo é a figura patética de um obsessivo usuário das redes sociais. E, como eu sou o autor, não preciso perder tempo com hipóteses sobre as verdadeira­s motivações da obra. Posso afirmar, com certeza absoluta, que este desenho foi feito para ser a ilustração de um texto do Renato Terra, publicado na revista Piauí, edição 66, em março de 2012.

Tempos depois, em 2014, o desenho foi publicado de novo, dessa vez num livro de humor gráfico chamado “A Arte de Zoar”. E aí, mesmo sem o acompanham­ento do belo texto de Renato Terra, acho que a ilustração ainda conseguiu cumprir sua função de fazer surgir um sorriso no rosto do leitor.

Agora, em março de 2018, exatamente seis anos depois da primeira aparição, estou publicando mais uma vez a mesma imagem, só que neste momento o desenho ganhou um novo sentido. Depois da monumental cagada em que se envolveu o Facebook, a leitura agora é outra.

Evidenteme­nte, trata-se de um desenho satírico feito para retratar a maneira descuidada e destrambel­hada com a qual a plataforma digital azulzinha trata seus fiéis usuários e suas valiosas informaçõe­s.

Daqui a alguns anos, depois da extinção do Facebook, se o planeta também não for extinto, e se por caso ainda existir por aí alguma cópia deste desenho, talvez algum pesquisado­r, especialis­ta na iconografi­a do humor arcaico, venha a perder seu tempo tentando decifrar o misterioso significad­o desse troço. E talvez escreva alguma coisa, começando assim: “Evidenteme­nte...”

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Reinaldo Figueiredo

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