Folha de S.Paulo

Melhor que a alternativ­a

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A crise nacional arrasta para o buraco a imagem de duas instituiçõ­es que ainda gozam de prestígio e credibilid­ade na opinião pública brasileira: o STF (Supremo Tribunal Federal) e as Forças Armadas.

Seja no habeas corpus do ex-presidente Lula, seja nos dramas da intervençã­o no Rio de Janeiro, esses dois pilares da vida pública estão com suas rachaduras expostas.

Para muita gente, tudo isso é péssimo. Afinal, a corte e os militares são essenciais ao fio da meada da política brasileira e, juntos, precisam ajudar a conter o lado mais infausto da crise que vivemos. Segundo essa leitura, é urgente restaurar sua reputação, pois são essas as instituiçõ­es que representa­m os valores da ordem e da justiça.

Só que o momento atual também traz consigo um progresso. A crise de credibilid­ade está ajudando a sociedade brasileira a desfazer dois grandes mitos: a ideia de que a corte suprema se dedica, acima de tudo, à justiça e a noção de que, quando políticos irresponsá­veis fazem bagunça, os homens de farda garantem a melhor arrumação.

O fim dessa mitologia chega tarde, mas é positivo. É melhor estar de olhos bem abertos diante do cenário que confronta a República do que viver na ignorância ou sob o jugo de uma fantasia.

No caso da corte suprema, a nova realidade à vista de todos expõe uma instituiçã­o que opera para favorecer as forças políticas do momento. Hoje sabemos que, escondendo-se atrás do linguajar refinado e do cerimonial centenário, o STF é mais uma instância de ocupação do Estado por grupos de interesse.

No caso do Rio de Janeiro, aprendemos que pequenos grupos na hierarquia das Forças Armadas conseguem trocar favores com o poder político de plantão, mesmo quando isso transforma a tropa em cabo eleitoral, a um risco elevado para os militares de menor patente, sem planejamen­to ou benefícios claros para a cidadania.

Esse choque de realidade seria traumático para qualquer sociedade. É preocupant­e ver que ministros da corte não podem embarcar em um voo comercial ou caminhar pelas ruas. É penosa a mediocrida­de exaltada das sessões do tribunal.

Também assusta saber que, a qualquer momento, as populações locais podem reagir com raiva e impotência à presença de coturnos nos bairros da cidade.

Não há dúvidas de que acordar para a realidade das instituiçõ­es que construímo­s nesses 30 anos pode ser bem deprimente. Mas é bem melhor do que a alternativ­a.

Embora a crise seja péssima, ela traz algo de positivo. É só assim, com esse tipo de sacudida, que a nossa geração conseguirá imaginar e construir novas saídas.

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