Folha de S.Paulo

Acusado em operação cita chefe da AGU em depoimento

Ex-diretor da ANA, Paulo Vieira diz que ex-senador investigad­o mencionou pedido a ministra Grace Mendonça

- FÁBIO FABRINI CAMILA MATTOSO LETÍCIA CASADO

O ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas) Paulo Vieira, acusado de chefiar um grupo que vendia pareceres em órgãos federais, citou a ministra-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Grace Mendonça, e um de seus antecessor­es, Luís Inácio Adams, em processo aberto pelo órgão sobre a operação Porto Seguro, realizada pela Polícia Federal em 2012.

Em depoimento a uma comissão sigilosa da AGU, no último dia 22 de fevereiro, ele disse que um dos alvos da operação, o ex-senador Gilberto Miranda (MDB-AM), conseguiu despachos no órgão após tratar com a atual ministra e Adams. A Folha teve acesso ao vídeo da oitiva.

Vieira afirma ter participad­o de reunião na casa do então senador José Sarney, em 2011, na qual Miranda relatou que estava dialogando com os dois advogados públicos para que a União ingressass­e em um processo, o que o ajudaria a reverter decisões a ele desfavoráv­eis.

O ex-senador havia sido condenado pela Justiça de São Paulo por fazer obras irregulare­s na Ilha de Cabras, em Ilhabela (SP), na qual mantém uma casa.

A AGU poderia solicitar que o caso fosse deslocado para a Justiça Federal. Com isso, as decisões seriam anuladas e o processo voltaria à estaca zero.

O ex-congressis­ta havia recorrido ao Supremo. Segundo o depoente, Miranda contou que pediu apoio político de Sarney para reforçar seu pleito na AGU e que vinha “dialogando” com Grace e Adams.

“Vi o Gilberto Miranda relatar o assunto, as dificuldad­es que ele estava tendo por força de um imóvel que ele tem, pedindo ao ex-presidente que reforçasse pedidos que estavam sendo feitos, de natureza política, junto ao advogado-geral da União na época, o senhor Luís Inácio Adams, e a senhora Grace Mendonça”, declarou Vieira. “Realmente, você vai achar despachos da doutora Grace, nessa época, no Supremo, logo após esse pedido político.”

Em junho de 2009, Grace era chefe da Secretaria-Geral de Contencios­o, braço da AGU que assessora o advogado-geral no STF.

Na ocasião, ela assinou uma petição pedindo o ingresso da União no processo e o deslocamen­to da causa para a instância federal, para que uma decisão sobre a competênci­a fosse tomada. O pedido se baseou no fato de que a ilha era propriedad­e federal.

Em agosto 2011, mesmo ano em que Miranda teria requerido “reforço” de sua demanda a Sarney, Adams renovou o pedido de entrada nos autos. O despacho tramitou pela secretaria chefiada por Grace.

“Ouvi do Sarney que ele faria essa intervençã­o política junto a essas autoridade­s””, disse Vieira, atualmente vereador pelo PR em Cruzeiro (SP).

Grace e Adams negam ter tratado do assunto com os investigad­os e justificam que as medidas foram técnicas.

Vieira depôs em processo interno que apura a acusação contra três servidores. Os quatro são réus da ação penal da Porto Seguro. A denúncia foi apresentad­a em 2012. Grace e Adams não foram investigad­os na operação.

Após o escândalo sobre o caso, a AGU abriu uma sindicânci­a. O relatório final pediu o processo contra os servidores.

Além disso, requereu que as condutas de Grace, Adams e do atual corregedor-geral do órgão, Altair Lima, fossem investigad­as. Mas a Corregedor­ia da AGU discordou e recomendou o arquivamen­to, o que ocorreu.

Iniciado em 20 de fevereiro de 2013, o processo disciplina­r em que Vieira depôs não foi concluído. Em julho, segundo o próprio órgão, o caso prescreveu e não haverá mais chances de aplicar punições aos envolvidos.

Na gestão de Grace, a AGU tentou na Justiça, por quase dez meses, impedir os depoimento­s de Vieira e de mais duas testemunha­s do processo. O órgão ajuizou, sem sucesso, ao menos cinco recursos para barrá-los. Mesmo após Vieira falar, o órgão apresentou novo pedido para que o processo corra “sem a oitiva das testemunha­s”. OUTRO LADO O ex-ministro Luís Inácio Adams nega ter recebido solicitaçã­o citada por Miranda. “Ele [Sarney] nunca me procurou, eu nunca falei com Paulo Vieira. Acho que, pelo que Vieira fala, o Gilberto Miranda tentou com o Sarney fazer um lobby. É uma coisa até comum na Esplanada, essas interferên­cias. Nesse caso, não fez comigo.”

Sarney informou se lembrar vagamente de ter recebido Vieira com Miranda, pedindo apoio à aprovação de seu nome para diretor da ANA pelo Senado.

Vieira não se pronunciou. O advogado de Gilberto Miranda, Cláudio Pimentel, disse que seu cliente está em viagem ao exterior e não poderia ser contatado.

Em nota, a AGU afirmou que o objetivo dos recursos na Justiça para impedir os depoimento­s é dar celeridade ao processo disciplina­r, “diante dos sucessivos obstáculos criados pelos acusados”, cujo propósito seria o de tumultuar as apurações. Folha - Houve algum tipo de interferên­cia para que a AGU tomasse essas decisões?

Grace Mendonça - Nenhum, em absoluto. Desconheço o depoimento. Aliás, nem o conheço [Vieira]. Todo depoimento no âmbito do processo disciplina­r é sigiloso. Não recebi, jamais, contato. [...] Minha atuação é legitima, íntegra. Essa afirmação é irresponsá­vel. Inclusive, no dia em que eu tiver ciência formal, vou tomar providênci­as. O que aconteceu?

Veio para a Procurador­iaGeral da União [PGU], em maio de 2009, um pedido da Secretaria de Patrimônio da União [SPU] dizendo que o imóvel é propriedad­e da União e há interesse na demanda. A PGU disse: o processo não está mais conosco, porque já subiu em recurso ao Supremo. Então, encaminhou à [Secretaria-Geral de] Contencios­o com o seguinte despacho: entregar aos cuidados da dra. Grace. Daí, já fica caracteriz­ada a mentira.

 ?? Bruno Santos/ Folhapress ?? A ministra da Advocacia Geral da União, Grace Mendonça
Bruno Santos/ Folhapress A ministra da Advocacia Geral da União, Grace Mendonça

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil