Folha de S.Paulo

Falta de ajuste deteriora dívidas de União, estados e municípios

Recentemen­te, o ritmo de cresciment­o foi recorde, de cerca de 0,5 ponto percentual ao mês

- FLAVIA LIMA

Não fosse o repasse de recursos do BNDES, estimam economista­s, endividame­nto iria a um pico preocupant­e

A despeito de esforços da equipe econômica, a dívida da União, estados e municípios não para de piorar.

Segundo dados do Banco Central divulgados nesta quarta-feira (28), a dívida bruta consolidad­a chegou a 75,1% do PIB (Produto Interno Bruto) —a pior posição da série histórica, iniciada em 2006, em alta de quase 24 pontos percentuai­s do PIB em relação a dezembro de 2013.

Se o ritmo de deterioraç­ão dos últimos meses fosse mantido (algo em torno de 0,5 ponto percentual ao mês), seria possível chegar ao fim de 2018 com uma dívida próxima a 80% do PIB, nível considerad­o preocupant­e.

Ninguém espera que o ritmo seja mantido —não porque o ajuste esteja sendo feito, mas porque outras medidas foram tomadas, como a devolução de R$ 130 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) ao Tesouro.

Nas contas de Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), do Senado, sozinha, a devolução do BNDES representa cerca de 1,9% do PIB, o que ilustra o tamanho do desafio.

Especialis­tas dizem que o cenário segue em piora, após o governo não ter conseguido avançar em nenhuma das medidas fiscais sugeridas para contornar a não aprovação da reforma da Previdênci­a.

Dentre elas, a reoneração da folha de pagamento ou a tributação de fundos de investimen­to exclusivos.

“Até agora foi feito muito pouco. O ajuste se baseou num arrocho violentíss­imo do investimen­to público, que não é de boa qualidade, tampouco permanente”, diz Alberto Ramos, diretor de Pesquisa para América Latina do Goldman Sachs.

Para Mônica de Bolle, pesquisado­ra do Peterson Institute, em Washington, o endividame­nto público vai piorar.

“A chamada boa gestão da equipe econômica foi não estragar mais o que já estava estragado e fazer muitíssimo pouco para melhorar”, diz. SINAL DE ALERTA Ramos considera que a aproximaçã­o da dívida dos 80% do PIB é inquietant­e e deixa a economia brasileira vulnerável a choques domésticos e externos adversos.

Seria uma espécie de sinal de alerta com potencial para mexer com a confiança dos investidor­es domésticos e externos e, consequent­emente, com os preços dos ativos.

O que viria a seguir seria uma alta do dólar e seus efeitos sobre a inflação e os juros, jogando mais incertezas sobre a lenta e gradual recuperaçã­o econômica.

Ramos diz que a dívida não chegará a 80% do PIB neste ano em razão, principalm­ente, do pagamento antecipado do BNDES ao Tesouro. “Mas é preciso ressaltar que esse é um efeito único, não muda a trajetória crescente da dívida.”

De Bolle tem a avaliação de que as prioridade­s do governo foram mal formuladas. Para ela, a reforma da Previdênci­a deveria ter sido discutida com o teto estabeleci­do para os gastos, e não o foi por cálculo político malfeito.

Salto diz que a situação fiscal parou de piorar, influencia­da pelo dinheiro do BNDES. “Remendamos roupa velha com tecido novo. O ajuste para valer ainda está por vir.”

Quanto ao futuro, ele afirma que o peso das receitas atípicas —os recursos vindos de programas de refinancia­mento e concessões— vai permanecer crucial para o fechamento das contas.

Esse tipo de receita somou R$ 90,5 bilhões em 2017 e deve ficar em R$ 70 bilhões neste ano, nas contas da IFI.

A projeção é que a dívida pública fique em 75,8% do PIB neste ano, ajudada pela devolução do BNDES. E só passará de 80% em 2020. Mas isso, diz Salto, só se alguma mudança na idade mínima da aposentado­ria e no gasto com pessoal for feita.

“Não tem mágica”, diz Ramos, do Goldman Sachs. “Ou corta gasto ou aumenta a carga tributária.”

Uma boa reforma da Previdênci­a, diz ele, criaria condições para entregar o ajuste. “Mas não é a Previdênci­a que contribui para o ajuste, ela apenas estabiliza o problema”, afirma Ramos.

Analistas são unânimes em dizer que o teto de gastos vai ser o grande “abacaxi” a ser descascado pelo presidente eleito. “Vamos deixar uma herança fiscal extremamen­te complexa para o próximo governo”, diz Ramos. Em % do PIB foi o total da dívida em fevereiro de 2018

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil