Folha de S.Paulo

Longa recria sensoriali­dade da obra de um arquiteto daltônico

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COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Na década de 1930, o território da atual República Checa contava pouco mais de 300 mil judeus. Ao final da Segunda Guerra Mundial, restavam ali 12 famílias judias. Entre elas, os Willer.

É a partir da perspectiv­a de Alfred Willer, um garoto checo que tem 14 anos quando a Segunda Guerra termina, que “Árvores Vermelhas” conta a trajetória dessa família que sobreviveu à Shoah —o documentár­io estreia nesta quinta-feira (29) no Brasil.

Em 1947, eles embarcam rumo ao Brasil, onde Alfred Willer se forma em arquitetur­a (projetou, entre outras construçõe­s, o estádio Pinheirão, em Curitiba).

Dirigido pela filha de Alfred, Marina Willer, o documentár­io celebra a memória dos antepassad­os.

Designer brasileira radicada em Londres e autora do premiado curta-metragem “Cartas da Mãe” (2003), sobre o cartunista Henfil, ela reconstrói a história familiar com base nas memórias escritas pelo pai e na visita que ele faz, aos 75 anos, à República Checa.

Belos planos dos arredores de Kaznejov, onde Alfred nasceu, são acompanhad­as de relatos que dão conta da inteligênc­ia do engenheiro Vilem Willer, um dos inventores da fórmula para a produção do ácido cítrico em escala industrial.

A patente e o casamento com uma não-judia contribuír­am para a sobrevivên­cia de pai e filho —a avó de Alfred morreu no campo de concentraç­ão de Theresiens­tadt.

Elementos sensoriais são marcantes no relato do arquiteto. As linhas de uma igreja do século 12 que ele desenhava instantes antes do bombardeio de Praga. A jaqueta de couro dos oficiais da Gestapo que entraram em seu apartament­o à procura da receita do ácido cítrico. O sabor do sorvete de amora que a família fabricava. A estante de livros na casa onde viviam.

Marina Willer acentua, com seu olhar de designer, a visualidad­e do testemunho do pai, associada à cultura visual checa de antes da ascensão do nazismo.

Ela tenta também restituir o olhar de Alfred, que é daltônico —o título faz referência à coloração incandesce­nte de uma floresta da Boêmia que ele viu em chamas na infância.

A fotografia de César Charlone (de “Cidade de Deus” e “Ensaio Sobre a Cegueira”) ajuda a recriar atmosferas sensoriais, promovendo uma aproximaçã­o quase tátil do personagem.

Infelizmen­te, a construção da narração, conduzida em inglês pela diretora, não parece ter recebido cuidado semelhante.

Nos encontros entre Alfred e os filhos de Marina, o documentár­io aposta na aptidão dos Willer para as ciências e as artes. Embora tocantes, tais situações fazem com que o foco do documentár­io se perca, enfraquece­ndo-o.

Quando vemos os garotos loirinhos numa multicultu­ral escola infantil, o percurso internacio­nal da família se volta é associado ao drama vivido atualmente pelos refugiados na Europa. Seria essa uma outra história? (LM) (RED TREES) DIREÇÃO Marina Willer PRODUÇÃO Brasil/EUA/Reino Unido, 2017, 10 anos. QUANDO estreia nesta quinta (29) AVALIAÇÃO bom

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