Folha de S.Paulo

‘Palhaços’ tem o vigor circense, mas reduz complexida­de da peça

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COLABORAÇíO PARA A FOLHA

“Palhaços”, de Timochenco Wehbi, foi escrita entre 1969 e 1970 (e não em 1974, como diz o programa da montagem em cartaz no CCBB). É uma peça ligada ao momento obscuro de fechamento ditatorial após o AI-5 e de ocaso da produção teatral política de resistênci­a ao golpe.

A atmosfera melancólic­a que ronda “Palhaços” não é fortuita, ecoa o tempo opressivo pelo qual passava o país e a falta de horizontes que se afigurava. Em linhas gerais, mostra o encontro entre o velho palhaço Careta e um vendedor de sapatos chamado Benvindo. A imagem do circo decadente e da desumaniza­ção do trabalho alienado aparecem justaposta­s na peça.

A certa altura, Benvindo paramenta-se de palhaço, e Careta simula um enforcamen­to com a gravata do vendedor. Um é o espelho do outro e ambos são o mesmo. Esse é o alicerce que dá vitalidade e interesse para o texto e que cria certa unidade entre as duas figuras inicialmen­te opostas.

A montagem dirigida por Alexandre Borges e protagoniz­ada pelo ex-trapalhão Dedé Santana —nascido e criado no circo— consegue manter dinâmico o jogo cênico do espetáculo, principalm­ente devido à força de atuação que Dedé apresenta aos 82 anos.

Retomando a tradição materialis­ta do circo, ele interpreta com ênfase nas ações, na concretude das palavras, na objetivida­de dase cada situação. E atua sempre de frente, em relação direta com o público, comentando cada gesto.

Em contrapart­ida, Benvindo, o vendedor interpreta­do por Fioravante Almeida, é reduzido a “escada” do protagonis­ta (curiosamen­te, a mesma função cumprida por Dedé em boa parte de sua carreira na TV e no cinema). Como se estivesse ali apenas para levantar a bola; dar as deixas para o palhaço principal, o Augusto na palhaçaria clássica.

Ao transforma­r Benvindo apenas no apoio, o espetáculo reduz a força ambivalent­e que há na dramaturgi­a. Como se a peça idealizass­e a magia da arte circense em detrimento da vida sem sentido do vendedor de sapatos. Isso é ainda sublinhado na montagem por um cenário nostálgico de elementos do circo, além de sonoplasti­a e canções que reafirmam essa aura perdida.

A julgar pelo espetáculo, tudo parece mesmo apenas a defesa da arte contra a vida tosca do cotidiano pragmático, quando, na verdade, a peça propõe uma imbricação bem mais complexa entre ambas.

Apesar disso, o clima melancólic­o persiste na montagem. Por trás da alegria evocada, há uma difusa desconfian­ça com aquilo tudo. Como no velho circo e nos melhores palhaços. (PAULO BIO TOLEDO) QUANDO dom., às 19h, seg. e sáb., às 20h; até 7/5 ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651/3652 QUANTO R$ 20 CLASSIFICA­ÇÃO 12 anos AVALIAÇÃO bom

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