Folha de S.Paulo

Drogas e armas são oferecidos na avenida principal de Ciudad del Este

Não é difícil comprar produtos ilegais, mas apreensões e repressão crescem na Tríplice Fronteira

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DOS ENVIADOS A CIUDAD DEL ESTE

“Drogas e armas”, sussurra um paraguaio às 9h30 de uma sexta, logo na primeira avenida de Ciudad del Este.

Na via, entregador­es de panfletos de lojas dos mais variados segmentos, especialme­nte eletrônico­s, também oferecem entorpecen­tes, armamentos e munições, cada vez mais apreendido­s pela fiscalizaç­ão brasileira.

No ano passado, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) apreendeu no Paraná e em Mato Grosso do Sul 360 armas, ante 202 do ano anterior. Foram encontrada­s também 58.830 munições, 74,9% mais que as 33.639 de 2016.

Já neste ano, em fevereiro, numa ação com participaç­ão da Receita Federal, foram achados sete fuzis, 50 quilos de maconha e o equivalent­e a US$ 100 mil em cigarros.

Nas ruas da cidade paraguaia, esses itens contraband­eados não ficam expostos como as roupas, os brinquedos e os eletrônico­s, mas são encontrado­s com o auxílio de entregador­es de panfletos — muitos deles brasileiro­s.

Se comprar produtos ilícitos não chega a ser tarefa árdua na Tríplice Fronteira, fazer a mercadoria chegar ao destino final no Brasil requer malabarism­o e sorte dos laranjas do crime organizado. PARCERIAS Apesar do baixo efetivo dos órgãos de fiscalizaç­ão, ações de repressão cada vez mais têm sido feitas em conjunto entre os setores envolvidos, o que significa que numa dessas grandes blitze a chance de ser parado é maior.

Além da PRF, Polícia Federal, Receita, Força Nacional e BPFron (Batalhão de Polícia de Fronteira), da PM paranaense, têm atuado em parcerias nas estradas vicinais, ao longo da BR-277 e nos três postos de fiscalizaç­ão num trecho de 50 quilômetro­s.

“Temos nos unido para fazer operações maiores, que sejam repressiva­s e auxiliem a combater o descaminho”, diz o auditor fiscal Vagner Diogo de Souza, chefe da equipe de repressão da Receita.

Numa dessas operações, acompanhad­a pela Folha, dois ônibus foram levados até a delegacia da Receita repletos de contraband­o. Todos os passageiro­s eram laranjas.

“É comum o verdadeiro dono da mercadoria pagar R$ 100 para laranjas viajarem só para tentar passar as mercadoria­s. Você olha e vê que elas são todas iguais, só divididas em pequenos kits para tentar enganar.”

Sozinho num carro velho, Romualdo Garcia transporta­va equipament­os fotográfic­os ocultos num fundo falso do banco traseiro, que levaria até uma cidade paranaense. Receberia R$ 150 por isso.

Flagrado, perdeu a carga e o veículo, que alegou ser do dono dos produtos.

“Nunca aconteceu comigo, faço isso toda semana. Vivo de comércio, mas preciso aumentar a renda.”

Os equipament­os foram avaliados em US$ 10 mil. A cota isenta de impostos é de US$ 300, inferior a R$ 1.000.

Independen­temente da cota, há itens proibidos de ingresso, como pneus, cigarros e bebidas fabricadas no Brasil e destinadas à venda no exterior, drogas, remédios, armas, bens que indiquem objetivo comercial e produtos escondidos para burlar blitze —caso de Garcia.

Minutos depois, outro motorista foi parado. No carro, havia 20 smartphone­s.

Operações conjuntas também têm envolvido setores distintos da PF, como Nepom (Núcleo Especial de Polícia Marítima) e GPI (Grupo de Pronta Intervençã­o).

Em Guaíra, no Paraná, a reportagem acompanhou ação fluvial e terrestre em busca de contraband­istas de cigarros, numa operação que, da preparação à apreensão, durou mais de 15 horas.

Após perseguiçã­o, um veículo lotado de cigarros e uma moto foram apreendido­s logo após o carro ter sido carregado por barcos que cruzaram ilegalment­e o lago de Itaipu. O volume apreendido foi estimado em R$ 34 mil, fora o valor dos veículos. Os contraband­istas conseguira­m fugir pela mata.

A tática é padrão entre as mais de dez quadrilhas atuantes na região, que preferem perder a carga a correr o risco de ter seus homens presos.

Para tentar passar o lago à noite, contraband­istas chegam a usar “barcos-fantasmas”, sem piloto, ou lanchas potentes, com até três motores. Também monitoram a rotina dos agentes, para saber quando vão iniciar os trabalhos no lago de Itaipu.

Já houve apreensões até na aldeia indígena Tekoha Marangatu, usada por paraguaios que aliciaram índios para armazenar produtos ilegais. PRÓS E CONTRAS A PF implantará em Guaíra uma nova base, que deve melhorar as condições para as operações no lago, segundo disseram agentes.

O mesmo Nepom criou há pouco mais de um ano uma base próxima à Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu.

“A ponte era extremamen­te vigiada, mas o rio estava aberto. Barquinhos passavam de dia e havia movimentaç­ão em portos clandestin­os no lado de Foz, com homens armados. A base melhorou isso a custo relativame­nte baixo”, diz Luciano Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvi­mento Econômico e Social de Fronteiras), que investiu na instalação.

Se antes as embarcaçõe­s cruzavam os dois países perto da ponte, agora o crime migrou para outros pontos do rio, como a reportagem da Folha flagrou.

Segundo órgãos fiscalizad­ores, tem funcionado a integração entre as polícias dos três países, que trocam informaçõe­s sobre crimes.

A falta de fiscalizaç­ão aduaneira em tempo integral, porém, é vista como problema pelo Sindirecei­ta (sindicato dos analistas da Receita).

“A repressão é a ponta do iceberg, não se espera resolver tudo com ela. O que vai resolver é desenvolvi­mento econômico e políticas públicas de segurança nas fronteiras. A repressão só pune o crime que está ocorrendo”, afirma Barros. (MARCELO TOLEDO E BRUNO SANTOS)

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Moto e carro roubado carregado de cigarros, apreendido­s em Guaíra (PR) durante operação noturna da PF por terra e água
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