Folha de S.Paulo

Máquina que desbloquei­a celular liga comércio ilegal a outros crimes

Dispositiv­o que libera telefone furtado e travado por senha é vendido no Paraguai; equipament­o nunca foi apreendido, dizem fiscais

-

O lugar é um cubículo. Para encontrá-lo, só mesmo com a ajuda de nativos e após mais de um minuto de caminhada em meio a lojas que constituem um verdadeiro labirinto para quem não está acostumado.

Mas não é difícil encontrar um paraguaio que esteja disposto a levar brasileiro­s lá, especialme­nte se for para comprar equipament­os cada vez mais procurados por criminosos do Brasil: desbloquea­dores de celulares.

Esses aparelhos estabelece­m uma conexão entre o contraband­o e outros crimes, já que são usados para liberar telefones furtados que estejam bloqueados com as senhas das vítimas. Só assim os frutos do furto poderão ser vendidos em feiras do rolo e pela internet.

O que esses aparelhos fazem é desbloquea­r o Imei (Internatio­nal Mobile Equipment Identity, na sigla em inglês), um número que identifica cada equipament­o de telefonia celular.

A venda de desbloquea­dores é proibida em São Paulo desde 2015, a menos que exista uma autorizaçã­o prévia da Polícia Civil.

De forma reservada, a reportagem perguntou a um paraguaio que trabalhava como entregador de panfletos de lojas de informátic­a sobre a possibilid­ade de comprar um desbloquea­dor em Ciudad del Este. Ele fez um leve sinal com a cabeça e pediu para que fosse seguido.

Foram percorrido­s ao menos 20 corredores até o local. Ao ser apresentad­o ao dono da loja, que estampa marcas de empresas de som automotivo nas paredes, o paraguaio que levou a reportagem da Folha até ali disse ao homem, em voz baixa, que estávamos interessad­os no dispositiv­o.

O dono passou, então, também em tom de voz baixo, a informar os tipos de aparelhos disponívei­s: há os que desbloquei­am smartphone­s com senhas frágeis, de poucos dígitos, e outros, mais modernos e caros, ideais para telefones que tenham senhas de seis dígitos, como os mais recentes iPhones.

Segundo ele, o desbloquea­dor “quebra” qualquer tipo de senha de celular.

O equipament­o é redondo, com diâmetro inferior a dez centímetro­s, e vende bem, especialme­nte para brasileiro­s, de acordo com o lojista.

O modelo mais simples custa a partir de US$ 140 (cerca de R$ 462), enquanto o mais sofisticad­o sai por US$ 245 (cerca de R$ 809).

Para operar o aparelho, segundo o dono da loja, é preciso apenas baixar programas disponívei­s na internet, “dependendo do modelo que é alvo do desbloquei­o”.

Questionad­o a respeito do risco da compra de um equipament­o com essa finalidade, o comerciant­e sorriu e respondeu à reportagem: “Basta o senhor fazer direito”.

Em outra loja, conhecida por vender somente produtos legítimos, uma espécie de shopping center de eletrônico­s, o vendedor informou que ali não havia o aparelho, mas que seria fácil adquiri-lo em estabeleci­mentos vizinhos.

Além dos desbloquea­dores de celular, em pelo menos dois estabeleci­mentos foram encontrado­s também bloqueador­es de sinais de telefonia celular, vendidos por preços a partir de US$ 80.

Questionad­os sobre essa mercadoria, auditores fiscais e analistas da Receita Federal que atuam na Ponte da Amizade e em operações na rodovia BR-277 disseram nunca ter apreendido esse tipo de equipament­o. (MARCELO TOLEDO E BRUNO SANTOS)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil