Contrabandistas calculam preço da corrupção nas 4 etapas do trajeto
Quanto mais a mercadoria se afasta da divisa, mais aumentam os valores cobrados de propina
Presente durante todo o trajeto das mercadorias contrabandeadas —da fronteira aos pontos de venda—, a corrupção de agentes públicos é precificada pelos criminosos.
O contrabandista tem alguns custos calculados, como a logística, o risco de perder a mercadoria e o risco de ser preso. A corrupção é mais um deles, como mostra levantamento do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social da Fronteira).
De acordo com o estudo, realizado em 2015, o custo da corrupção varia entre 9% e 10% do valor da carga.
Em entrevistas com excontrabandistas, o instituto identificou quatro etapas principais de corrupção pelas quais os criminosos pagam para viabilizar o crime. O preço vai aumentando conforme os produtos se afastam das fronteiras e se aproximam do destino.
A primeira e mais barata etapa é a propina na fronteira em si, que custa em torno de R$ 100 por dia por agente corrompido.
O processo segue e o segundo momento é uma espécie de escolta: após acordo, agente garante que carga estará em segurança até o fim de sua circunscrição. Em média, o trecho custa de R$ 1.000 a R$ 1.500.
O terceiro momento envolve postos de fiscalização, onde o contrabandista paga, em média, de R$ 3.000 a R$ 10 mil para que agentes façam vista grossa.
Há ainda a corrupção que parte dos servidores: montam blitze falsas e apreendem as cargas, mas depois negociam para liberá-las. Esse é o momento mais caro. Os preços podem variar entre R$ 50 mil e R$ 100 mil ou custar uma parte dos produtos. RACIONAIS O economista e professor universitário Pery Shikida passou 19 anos entrevistando detentos condenados por crimes econômicos para entender o que os motivou a migrar para o mercado ilícito.
“São pessoas extremamente racionais. Elas colocam na balança quais benefícios e problemas podem ter em consequência do crime”, afirma.
Segundo a pesquisa, os maiores motivadores são a ideia do ganho fácil e a ganância, além de carências sociais. O pesquisador afirma, porém, que essas carências não têm necessariamente a ver com pobreza.
“Essas pessoas têm muitas debilidades em termos de educação, escola e religião. São de famílias humildes, mas com renda”, diz.
Os atrativos, no caso do contrabando, são potencializados nas divisas. “Dá a sensação de que compensa. A fronteira é formada por cidades pequenas. Os contrabandistas acabam se tornando ‘donos’ desses lugares”, diz Luciano Barros, presidente do Idesf.
Curiosamente, os detentos entrevistados por Shikida dizem considerar as leis brasileiras brandas.
“Os próprios criminosos pedem instituições, como Justiça e polícia, mais sérias. Eles vão ter que enfrentá-las durante o crime e, como não confiam em sua seriedade, tentam cooptar”, diz Shikida. OUTRO LADO Procurado, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, ao qual Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal são subordinadas, informou que as corregedorias de ambos os órgãos “não toleram nenhum desvio funcional, especialmente a prática de corrupção”.
Desde 2013, a PRF cassou a aposentadoria ou demitiu sete servidores por recebimento de propina. A PF julgou 32 servidores no período (23 por corrupção e 9 por recebimento de propina, comissões, presentes ou vantagens) no período. Não informou quantos foram punidos.
A Receita Federal afirma que sua corregedoria “realiza ações no combate à corrupção, com a prisão de contrabandistas e, eventualmente, de servidores”.
A Secretaria de Segurança Pública de SP, estado que é destino final de boa parte das cargas, diz que “denúncias contra policiais, civis ou militares, são investigadas”. Entre 2013 e 2017, 44 PMs foram presos por corrupção, mas nenhum caso teve a ver com facilitação de contrabando.
Na fronteira
O mais barato dos trechos; em média cerca de cem reais por dia para o agente
‘Escolta’
Agente público garante que contrabandista não será incomodado até o cim de sua circunscrição; de mil a 1.500 reais por carga Postos Contrabandista paga para que agente dos postos de fiscalização no trajeto da carga façam ‘vista grossa’; mpedia de R$ 3.000 a 10.000, dependendo da carga Blitze fakes Corrupção que parte dos agentes: fazem operações para apreensão de mercadorias, mas negociam logo em seguida para sua liberação. É a mais cara das etapas, podendo custar de R$ 50 mil a R$ 100 mil.