Folha de S.Paulo

A hora da prisão

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“Ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatór­ia” (CF, art. 5º, LVII). Qual é o alcance dessa garantia fundamenta­l?

Há razoável consenso internacio­nal de que o duplo grau de jurisdição, isto é, a previsão de que nenhuma sentença criminal será executada antes da confirmaçã­o pela segunda instância, já satisfaz ao princípio de que todos devem ser considerad­os inocentes até prova em contrário. Esse é, aliás, o padrão observado na maior parte dos países desenvolvi­dos.

Para especialis­tas, a dificuldad­e para o Brasil colocar-se em linha com o que é praticado no resto do mundo democrátic­o não está tanto na discussão do mérito mesmo da prisão em segunda instância, mas na redação do dispositiv­o constituci­onal. Seria preciso proceder a um duplo twist carpado hermenêuti­co para conciliar o texto legal com a execução provisória das penas.

Admitamos, para efeitos de argumentaç­ão, que a leitura ultragaran­tista se imponha. Onde isso nos coloca? Penso que ela nos impele a conviver com um sistema subótimo. Entre as consequênc­ias mais danosas dessa interpreta­ção restritiva destaco o prolongame­nto desnecessá­rio dos processos, o excesso de prisões provisória­s (juízes das instâncias iniciais tendem a compensar) e uma fonte de descrédito para o Judiciário, visto como ineficient­e e seletivo.

Estaríamos, assim, diante de uma aporia constituci­onal, semelhante àquela que os americanos têm com o controle de revólveres e fuzis. A Carta deles diz que o direito de ter e portar armas não pode ser “infringido”.

A diferença é que, enquanto os americanos podem em tese aprovar uma emenda constituci­onal para corrigir a falha, nós, por lidarmos com uma cláusula pétrea, que não admite revisão pelo Legislativ­o, ou procedemos à mudança pela via hermenêuti­ca ou ficamos eternament­e amarrados ao erro do constituin­te. helio@uol.com.br

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