Folha de S.Paulo

Você adorou odiar ‘O Mecanismo’

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; TATI BERNARDI terça: Vera Iaconelli; quarta: Ilona Szabó de Carvalho; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

ASSISTI EM dois dias a todos os episódios de “O Mecanismo”. Se fosse tão falho como a maioria dos meus colegas de profissão (lembrando ao leitor que também escrevo para cinema e televisão) insiste em apontar, acho que eu não teria me dedicado aos capítulos com essa curiosidad­e. Muito menos meus colegas.

Tem problemas? Muitos. A frase do Romero Jucá “é preciso estancar a sangria” na boca do personagem Higino, o Lula ficcional, dá todos os motivos que a esquerda (e eu me incluo, sempre com algumas ressalvas, mais aqui do que lá) precisava para demonizar a série, o diretor e a Netflix. É bastante confuso esse papo de “apenas livremente inspirado” porque, vamos combinar, quando Higino fala pra Janete “me escuta uma vez na vida!” sabemos exatamente quem são eles. Mas será que é só isso que nos incomoda?

A dicção sussurrant­e-blasé-cínica-deprê do protagonis­ta me fez procurar legenda em português para contra o mal” nas locuções off maltratara­m a alta expectativ­a de quem aguardava um roteiro brilhante.

Mas será que é só isso que nos faz ir a almoços, reuniões, festas, redes sociais e falar mal (e mais mal e mais um pouco mal) do seriado (e de todos os outros, desde que brasileiro­s) sempre com um risinho de canto de boca? Ah que delícia! Acho que precisamos usar nossos dedinhos em riste, cheios de razão, perfeccion­ismo e boa intenção (uiuiui, uma caracterís­tica muito brasileira e também muito típica do mercado audiovisua­l: somos invejosos. Somos falsinhos. Adoramos jogar pedrinhas no coleguinha cheio de sucesso e prestígio internacio­nal. Quem de vocês já fez um “Tropa de Elite”? Amigo, você tá escrevendo piada pro Multishow, então, menos! Eu nunca fiz nada pra Netflix. Hollywood não sabe da minha existência. eu nunca dei vida a um policial salvador, mas também nunca escrevi nenhum roteiro esculachan­do o Aécio.

Entendo e respeito a fúria da galera militante (e, por favor, não estou aqui defendendo nada, saibam que achei alguns dos memes sacaneando a série melhor do que qualquer crítica elogiosa), mas e a turminha mais “preguiçosa para grandes questionam­entos sociais” que frequenta minha casa? Está tão indignada e venenosa quanto! Por quê? Acho que, para além de nossa extrema dificuldad­e em fazer uma obra como, por exemplo, “Breaking Bad”, está nossa gritante dificuldad­e em torcer para que ela seja feita por aqui. atenção. Que ator preciso, espetacula­r e charmoso. Acompanho com bastante entusiasmo o trabalho de Carol Abras (e acho que ela está impecável no lindíssimo filme “Gabriel e a Montanha”), e Lee Taylor, por Deus, continue tirando a camisa na segunda temporada (comentário sexista, perdão, ele também é ótimo ator).

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