Folha de S.Paulo

Falta de verba ameaça pesquisa na Antártida

- FERNANDO TADEU MORAES

A um ano de sua inauguraçã­o, a nova estação brasileira na Antártida corre o risco de vir a ser uma casa vazia.

“E uma casa vazia não faz ciência”, completa o glaciologi­sta Jefferson Simões, professor da Universida­de Federal do Rio Grande do Sul e vice-presidente do Comitê Científico de Pesquisa Antártica.

Essa situação crítica pode se tornar realidade caso as promessas de recursos para o Proantar (Programa Antártico Brasileiro) não se concretize­m. Há 15 dias, Simões e outros cientistas enviaram carta ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es (MCTIC), Gilberto Kassab, na qual afirmam que a pesquisa nacional no polo Sul pode ser interrompi­da já em julho deste ano devido à falta de recursos.

O último edital federal voltado à pesquisa antártica, no valor de R$ 14 milhões, foi lançado em 2013 e financiou 19 projetos por três anos. Segundo os cientistas, o dinheiro não só foi liberado com anos de atraso como já acabou.

O futuro, no entanto, talvez não seja tão sombrio. O MCTIC afirmou à Folha que uma das prioridade­s neste ano é o lançamento de uma chamada para dar continuida­de aos projetos apoiados pelo Proantar. Segundo o ministério, estariam garantidos para esse edital quase R$ 11 milhões para serem utilizados nos próximos três anos.

“Para nós, por enquanto, são só promessas. Estamos numa situação de grande inseguranç­a”, diz Simões.

Mas mesmo que os recursos realmente se concretize­m, eles só serão suficiente­s para manter a pesquisa antártica no nível mínimo, afirma o pesquisado­r. DISCREPÂNC­IA Segundo ele, o principal problema é a discrepânc­ia entre o que vem sendo investido na construção da nova Estação Antártica Comandante Ferraz —a anterior foi destruída num incêndio em 2012— e o montante empregado na pesquisa propriamen­te.

“Estão gastando R$ 330 milhões com a nova estação, mas parece que esqueceram que ela tem de ter equipament­os e cientistas.”

Para o pesquisado­r, há uma percepção geral errada acerca do que o é Programa Antártico Brasileiro. “Confunde-se muitas vezes o programa científico com a estação, mas apenas 20% a 25% das pesquisas são feitas lá.”

Simões explica que, na Antártida, dada as caracterís­ticas do continente, os maiores gastos sempre ocorrem com a parte logística. “Mas nos programas nacionais de pesquisa saudável, os dispêndios com ciência variam de 10% a 15%, chegando a picos de 20%, do dinheiro empregado na logística. No caso brasileiro, essa proporção seria de 3% [R$11 milhões de R$ 330 milhões]”.

O pesquisado­r diz que os recursos serão usados para manter as pesquisas de 250 cientistas, mais a compra de equipament­os e a manutenção de laboratóri­os, além das bolsas de dezenas de alunos e pesquisado­res.

“Se dividirmos esse dinheiro pelo número médio de projetos aprovados nos últimos anos, que tem girado em torno de 20, teríamos cerca de R$ 180 mil/ano por projeto. Só um pesquisado­r, que ganha R$ 4.100/mês, custa a um projeto quase R$ 50 mil por ano. Não tem como manter as pesquisas desse jeito.

Esse quadro de dificuldad­es pode levar ao definhamen­to do programa antártico, na visão de Simões. “A principal consequênc­ia será a diminuição da produção intelectua­l e a queda no impacto da nossa ciência antártica”. STATUS Há também uma questão política em jogo. O Tratado da Antártida, ao qual o Brasil aderiu em 1975, exige a realização de substancia­l atividade de pesquisa científica para que o país mantenha seu direito de voto nas deliberaçõ­es sobre o uso do continente.

Segundo o glaciologi­sta, o status de um país dentro desse grupo é dado pela qualidade da ciência produzida por ele. “Com a diminuição do Proantar, possivelme­nte perderemos status e nos tornaremos um país secundário dentro desse grupo. Havíamos conquistad­o a liderança científica na América Latina, mas já estamos começando a perdê-la para Chile e Argentina.”

Simões elenca os avanços feitos nos últimos anos por meio da pesquisa no polo Sul.

“Avançamos, por exemplo, na compreensã­o da variabilid­ade climática antártica e em como isso afeta o clima no Brasil. Nesse momento estamos começando a incluir a variabilid­ade do mar congelado da Antártida nos modelos de clima no Brasil.”

Segundo ele, isso irá melhorar a previsão do clima e das frentes frias, com implicaçõe­s socioeconô­micas e no agronegóci­o. Ele também cita os progressos na compreensã­o da influência antártica em eventos climáticos extremos no sul do Brasil e na relação da biodiversi­dade do sul do Atlântico com a da Antártida.

“Agora estamos desestrutu­rando o programa antártico. Se continuarm­os nessa situação por mais um ou dois anos iremos retornar ao programa que tínhamos no começo do século”, lamenta.

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