Folha de S.Paulo

Com testes rigorosos, feitos de forma particular e sem aviso prévio, é possível diminuir de alguma forma as infrações. Podemos chegar mais perto do que jamais estivemos de um esporte puramente limpo. Eu duvido, mas espero que o futuro prove que estou erra

- EDOARDO GHIROTTO

DE SÃO PAULO

A reintegraç­ão do Comitê Olímpico Russo anunciada pelo COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) em 28 de fevereiro é um tema de que Richard McLaren prefere não tratar.

O professor de direito da Western University, no Canadá, também é evasivo quando questionad­o sobre as medidas de segurança que foi obrigado a adotar após sofrer ameaças a partir de 2016.

McLaren chefiou a equipe de investigad­ores independen­tes que a Wada (Agência Mundial Antidoping) constituiu para apurar as denúncias de que a Rússia operava um esquema sistemátic­o de doping com apoio estatal.

O relatório final de McLaren, apresentad­o em dezembro de 2016, comprovou o envolvimen­to de mais de mil atletas russos no esquema que vigorou, ao menos, em Londres-2012 e Sochi-2014.

Segundo o professor, apesar do endurecime­nto da fiscalizaç­ão, os esportes olímpicos nunca estarão completame­nte livres de doping.

“Se você olhar para outras atividades humanas, com frequência verá pessoas querendo obter vantagens”, afirmou McLaren em entrevista à Folha. “Espero que o futuro prove que estou errado.” Folha - Podemos dizer que o esporte russo está limpo com a revogação da suspensão?

Richard McLaren - Eu não creio que você pode chegar a esta conclusão. Fui contratado para verificar tudo o que o Dr. Rodchenkov estava dizendo ao mundo. Não fui contratado para fazer nenhuma recomendaç­ão sobre informaçõe­s que obtive. Apresentei fatos e os relatórios foram usados pelo COI e por outras federações internacio­nais para que ações fossem tomadas. Isso era responsabi­lidade destes órgãos.

Não tento entender o que o COI está fazendo nem por que o fez. Se me for solicitado, estou pronto para conduzir novas apurações, mas não avalio como lidam com a descoberta. O senhor acha que a eleição russa influencio­u a decisão do COI de reintegrar o comitê?

Não fiz nenhuma investigaç­ão sobre o COI, então não sei os motivos. Mas, como um observador e por ter reportado sobre essa situação factual na Rússia, posso dizer que alguma porção —se não toda ela— das decisões e ações dos russos possuem motivações de cunho político e ideológico. Dois russos foram pegos no antidoping em PyeongChan­g. Foi um erro permitir que eles competisse­m como neutros?

Não acho que foi um erro. Houve um controle rigoroso dos atletas que foram autorizado­s a competir. Tenho dificuldad­e para explicar por que houve dois resultados de doping positivos entre os russos nos Jogos. A respeito do atleta das duplas mistas de curling, essa foi uma modalidade que não constava em Sochi-2014. Pode ter sido um engano ou uma maçã podre no cesto.

O segundo caso era de uma atleta de bobsled. Há muitas informaçõe­s sobre o que acontecia nesta federação nos meus relatórios. Isso amplia a suspeita considerav­elmente.

Você precisa olhar para todo o cenário nestes casos. Não creio que os russos foram para os Jogos com o sistema de manipulaçã­o e trapaça usado anteriorme­nte. Eles foram pegos e jogaram pelas regras, ao contrário destes dois atletas. Quando as pessoas poderão acreditar novamente na credibilid­ade do esporte?

Pergunto se podemos esperar esportes absolutame­nte limpos. Provavelme­nte a resposta é não. Se você olhar para outras atividades humanas, com frequência verá pessoas querendo obter vantagens. Nos esportes, drogas que elevam a capacidade de performanc­e são vetadas. Atletas se compromete­m a não usá-las.

Com testes rigorosos, feitos de forma particular e sem aviso prévio nos torneios —algo que não acontecia na Rússia na época das investigaç­ões— é possível manter o controle e diminuir de alguma forma o número de infrações. Podemos chegar mais perto do que jamais estivemos de um esporte puramente limpo. Eu duvido disso, mas espero que o futuro prove que estou errado. Chegou o momento de rediscutir as drogas que deveriam ser considerad­as doping?

A questão sobre quais substância­s devem ser proibidas é complexa. Ela é reavaliada anualmente, substância­s são postas e tiradas da relação. Para mim, os procedimen­tos dos testes são mais problemáti­cos. É muito mais demorado desenvolve­r um teste para detectar substância­s que deveriam ser proibidas do que para desenvolve­r drogas. Os trapaceiro­s estão sempre à frente das regulament­ações. O russo que delatou o esquema vive sob ameaça. O senhor tomou medidas de segurança?

Não quero perder muito tempo nessa discussão, mas tomei medidas de segurança para me proteger e para proteger os membros da minha equipe. Houve algum assédio, em parte voltado a mim, mas principalm­ente direcionad­o aos meus funcionári­os. Tomamos as medidas apropriada­s. Poderia detalhar os assédios? Corremos o risco de ter na Copa um escândalo tão grande quanto o de Sochi-2014?

Não creio que existam razões para temer que um escândalo como o de Sochi-2014 possa se repetir na Copa. Seria muito difícil para isso acontecer, porque as competiçõe­s em Sochi estavam todas concentrad­as em um lugar específico. A Copa será disputada em diversas cidades, com distâncias muito grandes entre elas em alguns casos. Coordenar um esquema nessas condições exigiria um número muito elevado de pessoas. Além disso, não acredito que um esquema como o de Sochi se repetirá de novo no esporte. O chefe da Fifa jogou futebol com o presidente Putin há alguns dias. A relação entre dirigentes e autoridade­s russas não lhe soa promíscua?

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