Folha de S.Paulo

ANÁLISE Prisão dos amigos do presidente mostra que procurador­a não vai abafar nada

- MARIO CESAR CARVALHO

A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, mostrou com o pedido de prisão de amigos do presidente Michel Temer que não está no cargo para agradar quem a escolheu.

É uma guinada e tanto para uma procurador­a-geral que parecia ter sido nomeada para conter a Lava Jato, um sonho do arco político que vai do PT ao MDB, do PSDB ao PP.

Os indícios de que Dodge estava lá para abafar as investigaç­ões vinham de duas frentes, uma interna da PGR (Procurador­ia-Geral da República) e outra externa.

O sinal interno era a recusa de Dodge em aceitar delações, a mais devastador­a das armas usadas pela Lava Jato.

Seus auxiliares negaram novas delações da Andrade Gutierrez, Mendes Junior e OAS, entre outras empreiteir­as que queriam revelar esquemas de suborno em troca de pena menor para seus executivos.

Representa­ntes da Camargo Corrêa —que fez um dos primeiros acordos da Lava Jato, em 2015, e estava disposta a complement­ar as informaçõe­s sobre pagamento de propina— ouviam evasivas.

A Camargo Corrêa tem informaçõe­s, represadas na Operação Castelo de Areia, que atingem tanto Temer quanto o PSDB paulista.

A Andrade Gutierrez, por sua vez, queria revelar que pagou propina ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) quando ele governava Minas Gerais, durante a construção da nova sede do governo —Aécio nega.

A Mendes Junior queria contar que pagou pensão para uma ex-namorada do senador Renan Calheiros (MDBAL), de quem ela tem um filho.

O sinal externo de que Dogde poderia conter o ímpeto da Lava Jato vinha de sua proximidad­e com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que se tornou um aliado de Temer.

Gilmar foi a segunda pessoa que Dodge encontrou antes de sua posse, em setembro; a primeira foi o presidente.

O aparente flerte com Gilmar se desfez quando o então diretor da PF, Fernando Segovia, disse, em fevereiro, que o inquérito que apura suspeita de propina no decreto dos portos deveria ser arquivado. Dodge pediu ao STF que proibisse Segovia de se manifestar sobre o caso.

Gilmar defendeu Temer e Segovia, que acabaria afastado. “Por que ela não faz nada com os outros que vivem falando aí? O Dallagnol está na mídia a toda hora”, ele disse à Globonews, referindo-se ao procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Lava Jato.

Foi ao lado de Dallagnol, num evento sobre os quatro anos da Lava Jato, no último dia 16, que Dodge afirmou que não tinha nada contra delações e que iria retomar as negociaçõe­s travadas.

Ela já havia mostrado que não seria leniente com Temer ao pedir duas medidas duras contra o presidente. Na primeira, pediu ao Supremo que ele continuass­e a ser investigad­o no inquérito do decreto dos portos. O ministro Luís Roberto Barroso autorizou. A outra, também autorizada, foi a quebra de seu sigilo bancário.

A prisão dos amigos do presidente, pedidas por Dodge, apontam que as tentativas de conter a Lava Jato acabam no ralo e que Temer terá um final de governo dramático.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil