Folha de S.Paulo

EUA, China e guerra comercial

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

ESTÁ CADA vez mais claro que o foco da nova guerra comercial lançada por Trump é a China.

Para vencer a competição estratégic­a com o país asiático, os EUA acabam de soltar uma nova batelada de restrições comerciais, financeira­s e de transferên­cia de tecnologia que podem atingir o coração da competitiv­idade chinesa.

Exemplos são a imposição de tarifas de 25% sobre produtos de alta tecnologia que representa­m até US$ 60 bilhões em exportaçõe­s chinesas e uma interferên­cia inédita do governo americano em processos de fusão e aquisição de empresas, ilustrada no caso Qualcomm vs. Broadcom.

Em contrapart­ida, a China anunciou que poderá restringir a soja, a carne suína e os vinhos dos EUA, além de outras retaliaçõe­s.

O pano de fundo da queixa é o fato de os EUA importarem US$ 490 bilhões da China e exportarem apenas US$ 115 bilhões, o que gera déficit anual de US$ 375 bilhões com o país asiático. Os EUA querem reduzir o valor em US$ 100 bilhões ainda neste ano. o conflito EUA-China. medidas protecioni­stas e retaliaçõe­s sem retorno, que ricochetea­ria no mundo todo produzindo resultados líquidos negativos ao afetar o comércio, os investimen­tos e o cresciment­o global. O mundo já viveu tempos sombrios dessa natureza. Mesmo que possamos no curto prazo nos beneficiar das retaliaçõe­s chinesas em algumas commoditie­s, não creio que no longo prazo haverá o que comemorar num cenário de guerra comercial generaliza­da.

O segundo resultado, mais provável no meu entendimen­to, seria um grande acordo bilateral entre os dois com compensaçõ­es pontuais da China para manter o status quo. Infelizmen­te nesse cenário o Brasil pode sair perdendo, pois a pauta de exportaçõe­s dos EUA para a China é altamente “commoditiz­ada” e curiosamen­te muito parecida com a nossa.

O Brasil detém hoje o terceiro maior superávit comercial do planeta com a China, calcado na exportação de commoditie­s como soja e carnes, nas quais o nosso maior concorrent­e são os Estados Unidos. Um acerto mercantili­sta entre EUA e China, realizado à revelia das regras multilater­ais, pode cortar as para o mundo. Esse caminho virtuoso seria a China ocupar o vácuo deixado pelos EUA e assumir um papel protagonis­ta no cenário global como defensora da globalizaç­ão, do livre-comércio e da sustentabi­lidade.

O país ainda está longe de substituir os EUA como maior shopping center do planeta. O cresciment­o meteórico chinês foi impulsiona­do por exportaçõe­s hipercompe­titivas, mas o país ainda restringe importaçõe­s e não trata o investidor estrangeir­o da mesma forma que o nacional.

No fim do ano passado, a China anunciou uma nova estratégia de longo prazo pró-importaçõe­s. Em novembro vai ocorrer a Shanghai Internatio­nal Import Expo (CIIE), patrocinad­a pelo líder Xi Jinping com o objetivo de buscar uma inserção internacio­nal mais equilibrad­a, que inclui a redução do atual superávit comercial chinês, que alcança US$ global que ajudaria a consolidar a liderança que a China quer exercer no cenário internacio­nal.

A guerra comercial começou com Trump abandonand­o tudo o que os EUA promoveram nos últimos 70 anos. Mas é Pequim que vai determinar se ela será um jogo perde-perde, ganha-perde ou ganha-ganha. MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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