Folha de S.Paulo

Um jogo longo

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- Costurar uma solução que sepulte a perspectiv­a de punição, ou dilate seus prazos, tem sido um desejo permanente de oligarcas da política desde a eclosão da Lava Jato. O acordão jamais foi consumado, mas seu espectro voltou a rondar o debate das questões nacionais.

Desta vez a conspiraçã­o dos fatos parece ter reunido os elementos diabólicos suficiente­s para o acerto. Jogar areia na engrenagem lavajatist­a interessa a todos os partidos tradiciona­is. Deixou de ser possível isolar o dano, para que produza estragos apenas no campo do adversário.

No caso JBS, um procurador-geral no mínimo açodado produziu um erro colossal e abriu flanco aos críticos. O ministro Gilmar Mendes, que há menos de dois anos votou com discurso inflamado pela constituci­onalidade da prisão após condenação em segunda instância, mudou de ideia.

Juízes da corte suprema desafiam o entendimen­to do plenário e permitem a apenados em segundo grau recorrer em liberdade. O habeas corpus do ex-presidente Lula será o arremate da reação?

A esta altura, já deveríamos ter aprendido uma lição básica do Brasil pós mensalão: nenhuma força coordena esses processos. A decisão majoritári­a do Supremo no caso Lula da Silva, mesmo que seja pelo relaxament­o da prisão, não terá o poder de decretar o fim da Lava Jato.

O HC do ex-presidente é ação específica e não vale para casos semelhante­s. Ainda que seis ministros, na hipótese da concessão da medida, passem a estendê-la a condenados em condições parecidas, os outros cinco não estão obrigados a fazer o mesmo e provavelme­nte não o farão.

A Lava Jato é a resultante da interação entre atores autônomos —delegados, procurador­es e juízes— num ambiente de forte repulsa da sociedade à corrupção. Para cada lance no sentido do acordão, correspond­e outro na contramão. É um jogo longo, que não termina nesta quarta. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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