Folha de S.Paulo

Movimento que não sentimos

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“Há duas espécies de movimento em política: um, de que fazemos parte supondo estar parados, como o movimento da terra que não sentimos; outro o movimento que parte de nós mesmos”. A afirmação é de Joaquim Nabuco, que conclui que “na política são poucos os que têm consciênci­a do primeiro, no entanto, esse é talvez, o único que não é pura agitação”.

O movimento da política que não sentimos é lento, envolve placas tectônicas. É difícil fazer o balanço de mudanças ainda em curso. Senão vejamos. A probabilid­ade de um impeachmen­t estava dada pela rara combinação de debacle econômica, escândalo ciclópico de corrupção, colapso da base parlamenta­r do governo e mobilizaçã­o de rua.

Solução constituci­onal para a crise, o governo Temer enfrentou um trilema caracteriz­ado por fatores cuja presença simultânea produzia contradiçõ­es irreconcil­iáveis: as instituiçõ­es de controle lato senso, as reformas e sua permanênci­a no cargo. Seu colapso era esperado.

As instituiçõ­es de controle solapam a estabilida­de presidenci­al e têm se mostrado relativame­nte robustas (em que pese o julgamento da chapa presidenci­al pelo TSE e a famigerada delação dos irmãos Batista). O TSE prolongou a malaise política geral. A delação expôs a vulnerabil­idade institucio­nal (mas a reação pública produziu resposta eficiente). Retrocesso­s têm maior visibilida­de: a mudança de fundo não sentimos.

O inesperado foi o “reformismo acidental” do governo que aprovou reformas estruturai­s, para o que contribuiu a homogeneid­ade da sua coalizão de apoio e, sobretudo, a coesão forjada em resposta à ameaça crível das instituiçõ­es. Mas teve fôlego curto. A mais importante das reformas —da Previdênci­a— malogrou no quadro da “tríade impossível”.

O tsunami abateu-se sobre Temer minando sua última cartada para manter-se de pé, a intervençã­o (necessária) no Rio. As instituiçõ­es de controle alcançaram também Lula. Placas tectônicas se moveram.

O país mira sua corte às vésperas de decisão histórica. A sobrecarga da agenda submete o STF a um teste de estresse inédito. Nunca uma corte teve que julgar ações sucessivas de impeachmen­t e ações penais contra centenas de parlamenta­res e membros da elite econômica. E enfrenta desafio sem solução: as eleições impõem decisões imediatas, mas juízos criminais conflitivo­s e excepciona­is requerem rito cadenciado. O “jogo está difícil de apitar”: há hiperpolar­ização e politizaçã­o. Daí a cacofonia e disfuncion­alidades.

As instituiçõ­es de controle estão no cerne do “movimento lento da política”. O círculo virtuoso é deflagrado quando suas ações levam à demanda republican­a de igual rigor para todos, e não a ataques às instituiçõ­es.

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