Folha de S.Paulo

Direto do sambaqui

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RIO DE JANEIRO - Cientistas do Museu Nacional, da UFRJ, apresentar­am na semana passada a reconstitu­ição digital em 3D de um homem de 38 anos, moreno, cabelos negros e lisos, traços lembrando os tupinambás e altura entre 1,4 e 1,5 metro —sim, baixinho para os padrões de hoje, mas de boa estatura em seu tempo. E seu tempo foi há 2.000 anos. A reconstitu­ição foi feita a partir de um entre 22 esqueletos humanos encontrado­s pelos arqueólogo­s do museu num sambaqui —sítio construído pelos antigos, às vezes para fins funerários— em Guaratiba, na zona oeste do Rio.

“Ernesto”, nome que lhe deram em homenagem a um pioneiro no estudo desses povos, está sendo apresentad­o como um “carioca” original, o primeiro de quem podemos ter uma ideia física. Se a matemática não falha, ele terá sido contemporâ­neo de Jesus Cristo —já pensou?—, embora eu duvide que soubesse disso na época. E foi uma grande época: quando ele flanava pelas matas do Rio, talvez pelado, os romanos já se chamavam de cidadãos, usavam túnicas de grife e reuniam-se para ouvir os versos de seu poeta Virgílio, recentemen­te falecido, declamados por alguém.

Mas não vamos diminuir os méritos de “Ernesto”. Ele certamente sabia tudo sobre ventos e marés —um dia esse conhecimen­to seria muito valorizado em Ipanema. Pela conformaçã­o peculiar do esqueleto, descobriu-se que seu esporte favorito era o remo, iniciando o que seria depois a nossa tradição dos domingos de regatas.

Segundo Cesar Baima, autor da bela reportagem sobre ele no jornal O Globo, os cientistas não encontrara­m sinais de violência em “Ernesto”, a sugerir uma “baixa frequência de conflitos” na comunidade.

Sobre isso, não quero nem pensar na impressão que causaremos quando nós, cariocas de hoje, formos protagonis­tas dos futuros sambaquis. MARCUS MELO

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