Folha de S.Paulo

Tomemos mais consciênci­a e comecemos a falar mais sobre a importânci­a da privacidad­e. Porque já é hora.

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da União Europeia, a GDPR (Regulament­ação Geral de Proteção de Dados), que entra em vigor em maio e exige o consentime­nto dos usuários para a coleta de dados.

A alemã trabalha atualmente em uma nova iniciativa legal, que quer proteger a comunicaçã­o digital. A lei foi aprovada no Parlamento Europeu, mas ainda precisa ser discutida no Conselho Europeu, que reúne os líderes dos países-membros. Ficou surpresa com o vazamento de dados pessoais no caso da Cambridge Analytica?

Eu não diria que fiquei surpresa. Nós sabíamos que havia a possibilid­ade de que algo assim acontecess­e. Mas, caso as acusações se provem verdadeira­s, é chocante pensar a que ponto isso chegou e como as pessoas responsáve­is por isso, como [Mark] Zuckerberg [presidente e fundador do Facebook], simplesmen­te ignoraram o problema.

O que parece é que ele não estava prestando atenção ao que estava acontecend­o com os dados repassados a terceiros e não pensou nas consequênc­ias. A reação [do Facebook], a princípio, para ser honesta, foi uma completa falta de reação.

Eu espero que, com a perda financeira que a empresa está sofrendo agora, talvez ele [Zuckerberg] comece ao menos a mudar algumas coisas. A sra. também mencionou que quer acabar com a “propaganda baseada em vigilância”. Qual é o problema com ela?

Em primeiro lugar, qualquer que seja a qualidade do seu serviço, ele não deveria depender da minha boa vontade em abrir mão de todos os meus dados e informaçõe­s pessoais, de forma que não exista mais nenhuma privacidad­e. Da forma como funciona hoje, se eu concordo em abrir meus dados, eu perco o controle de quem recebe minhas informaçõe­s. Há ferramenta­s que me seguem o tempo todo, que oferecem meus dados a outros aplicativo­s. Não deveria ser assim.

De novo, se eu quero comprar um livro, eu quero apenas comprar um livro! Ponto. Eu não quero abrir mão da minha privacidad­e, não quero nenhum tipo de controle sobre quem vai receber essa informação, de que forma ela será interpreta­da e quais as consequênc­ias disso. A sra. se preocupa com os efeitos econômicos dessa medida? Há muitos modelos de negócio baseados nesse tipo de informação.

Eu acho que esses episódios mostram o quão importante é que trabalhemo­s, em nível global, em algumas regras conjuntas para proteger a democracia, a liberdade, a privacidad­e. Debater quais são as soluções técnicas para que esse tipo de manipulaçã­o, seja para ganhos comerciais, seja para fins políticos, não aconteça mais. Nós estamos vivendo numa vila globalizad­a, quer gostem disso ou não.

Hoje, é perfeitame­nte possível que meus dados atravessem o continente e acabem em outra parte do mundo. Então, nós precisamos de colaboraçã­o. A GDPR tem um mérito, que foi dar o pontapé inicial nesse debate. Eu estou muito satisfeita com isso e espero que, ao final, cheguemos a um padrão mundial de proteção de dados. O Brasil terá eleição presidenci­al neste ano, assim como outros países da América Latina. Deveríamos estar especialme­nte preocupado­s com a privacidad­e digital?

A ideia por trás do conceito de privacidad­e digital é algo que deveria ser levado em conta no mundo todo. As pessoas devem ter a possibilid­ade de se expressar livremente, de trocar opiniões, de debater questões críticas, em especial num contexto eleitoral.

Se queremos proteger a democracia, temos de ser determinad­os. Temos de proteger qualquer indivíduo contra a vigilância e a manipulaçã­o, para que ele realmente possa fazer uma livre escolha, seja na área comercial, como consumidor, seja na esfera política, como eleitor.

Você precisa ter o direito à livre escolha. É a base para qualquer democracia. E isso hoje passa necessaria­mente pela privacidad­e digital.

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