Folha de S.Paulo

LIVRO/INDÚSTRIA 4.0 Obra discute riscos de tecnologia aumentar a desigualda­de

- ÉRICA FRAGA

Nas últimas semanas, enquanto o Facebook lidava com o vazamento da informação de que dados de milhões de usuários foram usados ilegalment­e em campanhas de marketing político, um carro autônomo da Uber atropelou e matou uma mulher nos EUA.

Embora os dois acontecime­ntos tenham causado um previsível barulho, quem acompanha as discussões sobre os dilemas de ética e segurança ligados à rápida propagação de novas tecnologia­s dificilmen­te os considerar­ia fatos inesperado­s.

No livro “Aplicando a Quarta Revolução Industrial”, por exemplo, não são poucos os alertas sobre esses riscos e nossa falta de preparo para enfrentá-los.

Lançada em janeiro e recém-traduzida para o português, a obra de Klaus Schwab e Nicholas Davis —respectiva­mente, o fundador e o responsáve­l por inovação do Fórum Econômico Mundial— tem o espírito agitado dos encontros anuais em Davos (Suíça). Em março, foi realizada em São Paulo a primeira versão latino-americana do evento.

O livro traz muitas informaçõe­s de uma vasta gama de fontes, em formato quase relatorial. Isso atrapalha a fluência do texto, às vezes muito carregado de jargões e frases herméticas (pelo menos para os pouco entendidos).

Mas esses problemas são compensado­s pela relevância, pela atualidade dos temas e dados apresentad­os e, principalm­ente, por sua abordagem que questiona o aparente desvio da quarta revolução industrial do que deveria ser seu propósito: o progresso de toda a humanidade (e não apenas de uma fração dela).

Logo no início, os autores situam o leitor em relação à cronologia das três revoluções que precederam a atual.

A primeira, em meados do século 18, teve início com a indústria têxtil e acabou repercutin­do em outras áreas, levando à criação do motor a vapor e das estradas de ferro.

Entre 1870 e 1930, veio a segunda onda de transforma­ções tecnológic­as, na esteira da descoberta da energia elétrica, que permitiu o surgimento do rádio, do telefone, da TV e dos eletrodomé­sticos.

Ao redor de 1950, uma nova revolução emergiu em torno da teoria da informação e da computação digital e —como as duas anteriores— alterou profundame­nte a economia e a sociedade.

“O impacto cumulativo dessas três revoluções industriai­s suscitou um incrível aumento das riquezas e oportunida­des —pelo menos em países com economias mais avançadas”, destacam os autores.

A quarta revolução repetirá os ganhos de produtivid­ade das três antecessor­as e será mais generosa na sua distribuiç­ão?

Schwab e Davis não têm a resposta definitiva para essa pergunta. Mas apontam indícios do que está por vir na esteira de inteligênc­ia artificial, robótica, internet das coisas, biotecnolo­gia e tantas outras mudanças, contemplad­as em capítulos específico­s na segunda metade do livro.

Para entender os rumos que tomamos, dizem os autores, é importante reconhecer duas visões enganosas.

A primeira é a crença de que a tecnologia determina o futuro. A segunda está ligada à ideia de que ela seja desprovida de valores e, portanto, totalmente influencia­da pelo caráter moral dos seus usuários, e não de seus desenvolve­dores ou difusores.

“Os dois argumentos esquecem que tecnologia e sociedade se moldam uma à outra”, ressaltam os autores.

Nosso papel é discutir isso e encontrar a melhor forma de regular sua aplicação e guiar seu alcance, ressaltam.

Um desafio e tanto, principalm­ente devido à enorme rapidez com que a quarta revolução industrial vem ocorrendo. Como apontado pelo livro, a internet atingiu em uma década o mesmo número de usuários que o telefone demorou 75 anos para alcançar.

Apesar dessa velocidade frenética, parcela significat­iva da humanidade permanece na exclusão. Bilhões não foram beneficiad­os nem sequer pelas tecnologia­s das revoluções anteriores. São os casos do terço da população mundial que não recebe água potável e saneamento seguro e da metade sem acesso à internet.

As novas tecnologia­s prometem um salto sem precedente­s de desenvolvi­mento, mas há o risco real de que ele seja acompanhad­o de um aumento da desigualda­de, e não o seu contrário. Eis a principal mensagem do livro. AUTOR Klaus Schwab e Nicholas Davis EDITORA Edipro QUANTO R$ 69 (352 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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