Folha de S.Paulo

Pouca afinidade com números não justifica o endividame­nto, mas explica o uso do crédito mais caro

- COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo: Samuel Pessôa

SERÁ QUE nosso comportame­nto em relação ao consumo, a prática ou não de planejamen­to financeiro e o nível de conhecimen­to da matemática têm alguma coisa em comum? Pode apostar que sim.

O nível de endividame­nto do brasileiro é elevado; a proficiênc­ia em matemática, baixa. Duas constataçõ­es comprovada­s por inúmeras pesquisas. Será que uma coisa tem a ver com a outra? Será que o baixo conhecimen­to da matemática explica o fato de muitos brasileiro­s não conseguire­m pagar suas dívidas?

Pesquisas recentes indicam que sim. E fiquei pensando se a pouca intimidade com a matemática é capaz de explicar, isoladamen­te, o alto nível de endividame­nto do brasileiro. Embora seja um ingredient­e importante, estou convencida de que não. COMPORTAME­NTO Tudo começa pelo comportame­nto, como as pessoas se relacionam com o dinheiro, seus hábitos de consumo. Alguns compram por impulso, outros, para satisfazer necessidad­es emocionais. Tudo pago com o cartão de crédito, o facilitado­r que viabiliza a compra. Assim começa uma história que não vai acabar bem.

O consumo abusivo, diferentem­ente de outras dependênci­as, como o álcool e o cigarro, é socialment­e aceito, embora recriminad­o. Há casos extremos, infelizmen­te não raros, diagnostic­ados como doença, a oniomania, caracteriz­ada pelo vício de comprar ou gastar dinheiro, impulso incontrolá­vel, mesmo quando a situação já é de endividame­nto. PLANEJAMEN­TO Muitos não se identifica­m com o comportame­nto de consumo abusivo, só gastam com itens necessário­s, mas acumulam dívidas que não conseguem pagar. Gastar mais do que ganha é um erro muito frequente e, para fechar a conta no fim do mês, lançam mão do crédito rotativo, seja parcelando a fatura do cartão, seja usando o limite do cheque especial.

O erro pode ser evitado com planejamen­to, controle de gastos, estabeleci­mento de limites. Listar todas as despesas, priorizar o que é necessário, se pagar em primeiro lugar para realizar os sonhos, os projetos de vida. Aprender a dizer “não” para si mesmo, para a família, quando não for financeira­mente possível atender aos desejos.

Pessoas que começaram a controlar despesas relatam surpresa com o montante de gastos, que imaginavam ser bem menor. Mais que os números em si, o controle revela para onde está indo o dinheiro que falta para coisas importante­s.

O controle precisa ser feito. A melhor forma? Do jeito que funcionar para você. Pode ser uma planilha eletrônica, um caderno, um aplicativo. Anotadas todo dia, uma vez por semana, uma vez por mês, não importa, desde que você saiba quanto gastou, com que gastou, quais foram suas escolhas. E avalie se pode melhorar. Quando você perceber o benefício desse planejamen­to, vai fazer automatica­mente, com gosto, uma nova e boa rotina na sua vida. MATEMÁTICA Finalmente, a matemática. Vimos que a parte comportame­ntal, seja pelo consumo exagerado, seja pela falta de planejamen­to, explica boa parte do desfecho infeliz das histórias que acabam em endividame­nto. Mas onde a matemática entra?

O controle das despesas pode ser feito de forma muito simples, iniciando com o crédito do salário e subtraindo cada despesa planejada. Quando o dinheiro acabar, novas despesas devem ser eliminadas ou adiadas. Continuar gastando quando o saldo for zero significa que você está gastando um dinheiro que não te pertence. Acaba de contrair uma dívida e pagará juros por ela.

Esse é o X da questão, os juros da dívida. A taxa das operações de crédito é expressa em percentual, e acho que é aí que a falta de conhecimen­to da matemática faz diferença. Não pelo endividame­nto em si, mas pelo uso da linha de crédito mais cara do mercado, o rotativo.

Os juros podem variar de 2,5% ao mês, no consignado, a 13%, no cheque especial. Qual será o saldo devedor ao fim de um ano, de um inocente empréstimo de R$ 3.000? No consignado, R$ 4.000; no cheque especial, impagáveis R$ 13.000! Fica fácil entender por que o devedor paga, paga e não se livra da dívida.

O tripé controle emocional, planejamen­to financeiro e um pouco de matemática forma uma aliança vencedora para garantir nossa independên­cia financeira. MARCIA DESSEN, marcia.dessen@gmail.com

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Fernando de Almeida

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