Folha de S.Paulo

No México

Há cerca de dois meses, brasileira vive escondida no país com seu filho de 8 anos e sua filha de 4, após Judiciário decidir que as crianças deveriam ficar com o pai, que ela acusa de tê-los agredido

- ROGÉRIO GENTILE MARINA ESTARQUE

A brasileira Marina de Menezes Santos está há cerca de 60 dias escondida em algum lugar do México com seus dois filhos, um garoto de 8 e uma menina de 4 anos.

Marina sumiu porque se recusa a entregar as crianças ao pai, o mexicano Abraham Salazar Télles, desobedece­ndo uma ordem da Justiça local que considera injusta, discrimina­tória, e que, sobretudo, as colocaria em risco.

“A Justiça daqui não está interessad­a em saber o que ele fez comigo, tampouco o que as crianças sofriam”, afirma. “Está colocando a naci- onalidade do pai acima do meu direito como mulher, mãe e brasileira, bem como do direito dessas crianças.”

Marina diz que Abraham é um homem violento e que descobriu isso durante uma discussão, em fevereiro de 2016. “Tentou me sufocar com as mãos e arremessou minha cabeça contra a parede.”

Ela conta que ficou desmaiada por alguns instantes e que acordou com o filho sobre seu corpo, chorando, e a voz do ex-marido ao fundo, minimizand­o tudo: “Não falei que estava fingindo?”

A violência física, porém, afirma Marina, foi apenas uma amostra grátis do que ainda estava por vir. A brasileira resolveu se separar de Abraham, mas, no dia agendado para a assinatura do divórcio, descobriu que ele havia “sequestrad­o” seus filhos.

Levou-os para a Cidade do México, distante cerca de 2.300 km do domicílio da família, em Tijuana. “Deixou apenas o tapetinho onde eu brincava com as crianças e algumas fotos espalhadas.”

Marina diz que, por duas vezes, tentou formalizar acusações contra o ex-marido no Ministério Público mexicano, sem sucesso.

A primeira foi logo após a agressão, quando ouviu um “você deve ter feito alguma coisa para irritar o seu marido”, seguido de um “deve ter merecido apanhar”.

A segunda ocorreu após o sumiço dos filhos. “Disseram que, como não havia pedido de resgate, não era sequestro”, diz. “Recusaram-se a aceitar minha denúncia sob o argumento de que o pai teria o direito de levá-las para onde bem quisesse.” VIGIADA Na Justiça, Marina diz que também não obteve amparo. A juíza Silvia García Lara, do 11º Tribunal Familiar da Cidade do México, fixou a casa dos avós paternos, na Cidade do México (a 2.300 quilômetro­s de distância), como novo domicílio das crianças.

À mãe, concedeu o direito de conviver com os filhos a cada 15 dias e somente por duas horas. “Por que convivênci­a vigiada se não represento ameaça às crianças?”

Sem recursos para se deslocar para a cidade do México e trabalhand­o em Tijuana para pagar o advogado que a representa, Marina passou dez meses sem ver os filhos.

“Falava com eles por telefone em conversas que duravam, quando muito, cinco minutos, e obrigatori­amente na presença da juíza.”

Só teve a oportunida­de de rever e passar alguns dias com as crianças numa espécie de férias, depois que publicou um vídeo nas redes sociais relatando seu drama.

Mesmo assim, conta, após aceitar um acordo no qual concordava em ceder a guarda e a custódia dos filhos ao seu ex-marido.

“Não havia outra maneira de colocar fim ao pesadelo de não poder conviver dignamente com os meus filhos”, diz. “Fui coagida pela juíza, que me chamou para conversar no corredor e deixou claro que não havia alternativ­a.” MAUS-TRATOS Marina diz que logo descobriu que os filhos eram maltratado­s pelo pai e pela avó. “Apanhavam de cinto e objetos de madeira”, afirma.

De acordo com a brasileira, em decorrênci­a dos traumas, os dois filhos agora sofrem com a falta de controle de esfínctere­s (fezes e urina), terror noturno e autoflagel­o “[Os dois filhos]Arrancam os cabelos e se beliscam”, diz.

A brasileira decidiu, então, não devolver as crianças ao pai e, com base numa liminar obtida em tribunal federal, conseguiu ficar com os filhos por cerca de um ano.

Até que a liminar foi cassada e veio a ordem de busca, apreensão e reintegraç­ão das crianças ao pai. Marina optou, então, pela fuga.

A juíza Silvia García Lara, responsáve­l pelo caso, envolveu-se no ano passado em um outro processo polêmico em que uma mãe, após perder a custódia dos filho, decidiu envenená-los e a si mesma.

A decisão da juíza ocorrera a despeito das suspeitas de que o pai cometera violência sexual contra as crianças.

Procurada pela Folha ,ajuíza não concedeu entrevista. Abraham Salazar Télles. exmarido de Marina, também não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.

Inconforma­da com o que chama de discrimina­ção por parte da Justiça mexicana, Marina procurou, por meio de uma pessoa da família, a Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo.

O advogado Ricardo Sayeg, presidente da comissão, após analisar o caso, elaborou um relatório no qual afirma haver indícios de que a brasileira sofre discrimina­ção em função de sua origem.

O documento foi enviado para a Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos e para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, com pedido de providênci­as.

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Alicia Vera/Folhapress

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