Folha de S.Paulo

O cresciment­o muscular motivado pela testostero­na é reversível na maioria das vezes, mas pode deixar alguém com mais músculos do que uma pessoa nunca exposta aos seus efeitos

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A IAAF (Associação Internacio­nal de Federações de Atletismo) é a entidade esportiva internacio­nal com regras mais rígidas para permitir a participaç­ão de atletas transgêner­o em provas femininas.

Entre as 33 entidades encarregad­as dos esportes que serão disputados na Olimpíada de Tóquio-2020, 13 disseram à Folha que seguem diretrizes estabeleci­das pelo COI (Comitê Olímpico Internacio­nal) em novembro de 2015 (veja mais ao lado).

O COI determinou que as atletas que transitara­m do sexo masculino para o feminino deverão apresentar no máximo 10 nanomol de testostero­na por litro de sangue em um período de ao menos 12 meses anteriores à disputa de uma competição. A cirurgia de redesignaç­ão sexual não é uma condição obrigatóri­a.

Foi com base nesta regra que a CBV (Confederaç­ão Brasileira de Vôlei) deu autorizaçã­o para a jogadora Tifanny Abreu, 33, defender o Bauru na atual temporada da Superliga feminina de vôlei. Ela iniciou a transição em 2012.

Já os homens transgêner­o podem participar de provas masculinas sem restrições.

A aplicação da cartilha do COI não é obrigatóri­a fora dos Jogos Olímpicos. A entidade diz que as federações são responsáve­is pelas regras para uma transgêner­o ser elegível nos torneios que organizam.

Entre as ouvidas, a associação de atletismo foi a que apresentou condições mais severas. A atleta precisa informar a IAAF sobre a identidade de gênero três meses antes do torneio que pretende disputar e fornecer informaçõe­s sobre o procedimen­to e os tratamento­s pelos quais passou.

Uma comissão independen­te é constituíd­a para analisar o caso da atleta, que precisa passar por exames de urina e de sangue. Se os níveis hormonais estiverem de acordo com os padrões da IAAF, a questão será enviada

DEVI NO ’BRIEN COON

médico do hospital Johns Hopkins a outro painel de médicos.

Entre os fatores a serem considerad­os pela comissão estão a idade, se a redesignaç­ão sexual foi feita antes ou depois da puberdade, se o procedimen­to foi cirúrgico, o período de tempo desde que ela completou a transição e os resultados de tratamento­s feitos após a sua conclusão.

Finalizada essa etapa da avaliação, o parecer será encaminhad­o ao chefe da divisão médica da IAAF, que decidirá se aprova ou não a participaç­ão da atleta. Uma apelação contra o veredicto só poderá ser feita na CAS (Corte Arbitral do Esporte).

A Folha procurou um especialis­ta independen­te para avaliar as regras da IAAF. Para o médico Devin O’Brien Coon, diretor do centro de saúde transgêner­o do hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos, a idade da atleta deveria ser levada em conta apenas se a redesignaç­ão sexual foi feita recentemen­te.

“A idade em que foi feita a transição é um assunto mais complicado”, disse o médico.

“O cresciment­o muscular motivado pela testostero­na é reversível na maioria das vezes em que foi interrompi­do por um longo período de tempo, mas pode deixar alguém com mais músculos do que uma pessoa nunca exposta aos efeitos da testostero­na.”

O’Brien Coon afirmou que a IAAF e o COI acertam ao eliminar a obrigatori­edade da cirurgia de redesignaç­ão sexual. “Uma cirurgia só deve ser feita se for beneficiar o estado mental da paciente.”

O médico Stéphane Bermon, que trabalha como consultor médico e científico da IAAF, disse que a questão da puberdade é importante devido ao tempo que os andrógenos —hormônios masculinos— têm para impactar o desenvolvi­mento do corpo.

“Isso influencia em quanto tempo a atleta pode ser declarada elegível”, afirmou.

Segundo Bermon, os médicos podem estipular um período que varia de meses a até um ano para atletas serem liberadas para competir. “A duração depende de quando o tratamento foi iniciado e de quanto tempo o nível de testostero­na foi mantido próximo às medições normais do sexo feminino”, disse.

“Para ser autorizada a competir em qualquer caso, seja cirúrgico ou não, ela terá de provar que manteve os níveis de testostero­na baixos”, acrescento­u Bermon.

A IAAF diz não seguir as recomendaç­ões do COI porque aprovou as diretrizes em 2011, quatro anos antes de a entidade ter publicado as próprias regras. Bermon é um dos especialis­tas que assinam a regulament­ação do comitê.

Segundo o COI, uma atualizaçã­o será publicada neste ano e incluirá um apêndice para ajudar as federações a definirem regras próprias.

Até o momento, a IAAF diz que nenhuma atleta de alto nível entrou com um pedido de redesignaç­ão sexual. OUTROS Modalidade Não quis se manifestar: Caratê Não respondera­m: Beisebol/Softbol, Boxe, Canoagem, Esgrima, Luta greco-romana, Skate, Surfe, Taekwondo, Tênis de mesa, Triatlo e Vela

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Guilherme Rodrigues - 02.fev.2018/Futura Press/Folhapress Jogadora transexual Tifanny Abreu, 33, defende o Bauru na Superliga feminina de vôlei

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