Folha de S.Paulo

Novo trabalho de Jack White é um desastre autoindulg­ente

- ANDRÉ BARCINSKI

partir daí volta no tempo e mostra a vida pregressa de Cunanan, crimes que cometeu, conquistas, derrotas, mentiras e traumas. A história do estilista surge ocasionalm­ente, com menor ênfase.

O mundo da moda, do luxo, da extravagân­cia e dos exageros que as roupas de Versace representa­vam é quase deixado de lado. É como personagem secundário. Com tantos nomes de peso ao redor do estilista, é uma pena que o produtor tenha apostado tanto na vida do assassino.

FOLHA

Você pode gostar ou não da música de Jack White, mas uma coisa é certa: ele nunca soou falso, seja nos blues revisionis­tas no White Stripes, ou no pop superprodu­zido dos discos solo, “Blunderbus­s” (2012) e “Lazaretto” (2014).

Mesmo quando usa referência­s antigas —ele sempre buscou inspiração em blues e rocks— o fazia com a mais absolutaco­nvicção.Nuncafoi umcomposit­orinovador,mas criava discos que homenageav­am o passado sem soar datados. Bom, ao menos até lançar “Boarding House Reach”.

O disco novo é um desastre do início ao fim: confuso, sem unidade e pouco inspirado, parece mais uma coleção de faixas inacabadas.

A impressão é de que White, hoje rico, famoso e dono de uma das gravadoras mais legais do planeta, a Third Man, acha que pode fazer o que quiser. E ele pode, claro: é um artista, e artistas não têm limites.

O problema é que os fãs precisam estar dispostos a abrir mão de seu suado dinheirinh­o para ouvir o disco, e eles podem não curtir a ideia de pagar por uma coleção de experiment­os egocêntric­os e autoindulg­entes.

O disco tem 13 faixas, mas quase nenhuma canção. Algumas são vinhetas curtas, como “Abulia and Akrasia”, em que o cantor de blues C. W. Stoneking, acompanhad­o por um violino, declama versos supostamen­te engraçadin­hos. O resultado lembra um sub-Tom Waits.

A faixa mais ridiculame­nte egocêntric­a é “Get in the Mind Shaft”, em que White narra (ele não canta, narra) seu primeiro encontro com um piano. Há um tom épico, como se descrevess­e ele abrindo o Mar Vermelho.

É triste notar que o sujeito que fez músicas de imediata conexão com o público foi capaz de cometer um disco tão antipático e desanimado. Não dá para lembrar de uma melodia após ouvi-lo.

O que White mais precisa é de um produtor experiente, que seja capaz de frear ou ego descomunal e lembrá-lo que, nofimdasco­ntas,cançõesimp­ortam mais que manifestos. E Jack, que capa é essa? Você com nuvens na cabeça, contemplan­doaTerrade­cimapara baixo? Menos, por favor.

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