Folha de S.Paulo

Os pais sem perrengue

- GREGORIO DUVIVIER COLUNISTAS DA SEMANA: terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão, domingo: Ricardo Araújo Pereira

EXISTE UMA etiqueta entre pais recentes: não se diz, em hipótese alguma, que tá tudo bem. Embora toda conversa a respeito comece com o bordão: “é o maior amor do mundo”, logo em seguida é obrigatóri­o emendar uma série de ressalvas: “mas nunca mais dormi direito”, ou “mas nunca mais a gente transou”, “mas a última vez que a gente tentou transar eu acabei dormindo no meio”.

Pobre do casal que disser, na lata, que tá dormindo profundame­nte, transando loucamente e que a vida a dois nunca foi tão harmônica. Corre o risco de ser excomungad­o dos grupos de WhatsApp e de qualquer chance de conseguir uma creche parental.

De todos os perrengues que eu poderia passar ao ter uma filha, nunca tinha me ocorrido que poderia acontecer logo esse: não saber o que comentar entre os pais desesperad­os.

Pra isso, afinal, serve escrever: pra dizer coisas que, se você dissesse ao imaginava.

Não se trata, obviamente, de um mar de rosas, mas de algo muito melhor que isso: um mar de bochechas imensas com cheirinho de lavanda.

Tem noites em claro, sim, mas são noites mordendo um pé gordinho de sete centímetro­s. Acordamos todo dia às 6h, mas é pra dar banho de sol num bumbum branquinho. Às 19h tem cólica, mas nada que não passe com o sacolejo de uma bola de pilates (e algumas gotinhas de Colic é pai!” Então perguntem à mãe. Aliás, não perguntem: ela vai mentir, assim como eu tenho mentido. Desculpa, filha, mas temos inventado coisas a seu respeito.

“É o maior amor do mundo, mas essa noite ela acordou sete vezes” — mentira, acordou duas vezes, e dormiu logo em seguida. “De manhã foi cocô pra todo lado!” —mentira, quando ela faz cocô avisa antes, fazendo caretinhas, pra não pegar ninguém despreveni­do.

Desculpem a decepção. Tiramos a sorte grande: um bebê que acorda Às vezes, de fato, acorda às 3h, mas é porque quer conversar. Ficamos então na sala, trocando ideia em línguas que ainda não foram descoberta­s. Até que o olhinho começa a pesar, e os bracinhos começam a tombar, e então a gente põe ela no berço e agradece aos céus pelo nosso bilhetinho premiado (baixinho, claro, pra ninguém ouvir).

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Catarina Bessell

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