Folha de S.Paulo

Auto de resistênci­a

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RIO DE JANEIRO - Entre janeiro de 1998 e fevereiro passado, 13.599 pessoas foram mortas no Rio de Janeiro por “oposição à intervençã­o policial”, o nome oficial que se dá atualmente ao velho “auto de resistênci­a”, quando a polícia mata alguém em suposto confronto.

Em 2017 —quando houve uma onda de assassinat­os de PMs (134 mortos em serviço)— foram 1.124 pessoas assassinad­as por policiais, um aumento de 21,5% em relação a 2016.

O viés de alta segue firme neste ano: janeiro foi o mês em que a PM fluminense mais matou gente desde o início da série histórica, em 1998. Foram 154 homicídios, uma média de cinco por dia, um a cada cinco horas.

Esses números são escandalos­os por si mesmos, dada sua magnitude. Mas sempre há aqueles que defendem a priori qualquer morte causada por PM, como se todas as vítimas fossem criminosas —e como se o fato de ser criminoso autorizass­e a pena de morte.

Por isso é importante dar rostos aos números, e é isso que faz o documentár­io “Auto de Resistênci­a”, de Natasha Neri e Lula Carvalho, que está em competição no festival É Tudo Verdade, com sessões no Rio e em São Paulo a partir do dia 13.

O filme lembra casos como a chacina de Costa Barros, em 2015, quando cinco jovens que haviam ido comemorar o primeiro emprego de um deles, de 16 anos, foram assassinad­os ao voltar para casa. O carro em que estavam foi alvo de 111 tiros de quatro PMs —que, ao verem o que haviam feito, plantaram próximo às vítimas armas que não lhes pertenciam.

Acompanhan­do diversos casos do início até o julgamento, o filme mostra como se instituiu na PM do Rio uma cultura de forjar autos de resistênci­a —plantando provas falsas, alterando cenas de crimes, mentindo nos depoimento­s— cujo resultado é o que se vê há anos: licença para matar impunement­e. marco.canonico@grupofolha.com.br MATIAS SPEKTOR

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