Folha de S.Paulo

Barroso cita casos célebres em que recursos beneficiar­am réus

- RUBENS GLEZER

DE SÃO PAULO

Durante o julgamento desta quarta (4), o ministro do STF Luís Roberto Barroso citou uma série de crimes cometidos no país em que os culpados —por conta de recursos aos tribunais superiores— demoraram a iniciar o cumpriment­o das penas ou nem chegaram cumpri-las em razão da prescrição delas.

Um deles foi o da missionári­a católica Dorothy Stang, 73, assassinad­a a tiros em 2005, no Pará, em razão de sua atuação na luta pela reforma agrária. Um dos mandantes do crime, Regivaldo Pereira Galvão, foi condenados a 30 anos de prisão em 2010, mas só começou a cumprir a pena em 2017 após o STF negar habeas corpus.

Ele também citou o caso do jornalista Pimenta Neves, exdiretor de redação do jornal “O Estado de S. Paulo”, que matou a jornalista Sandra Go- mide em 2000. O réu confesso foi condenado em maio de 2006, mas ele só passou a cumprir a pena em 2011. Dois anos depois, foi para o regime semiaberto.

O ministro citou ainda o exjogador de futebol Edmundo, condenado em 1999 a quatro anos de prisão pelo homicídio culposo de três pessoas em um acidente de carro ocorrido quatro anos antes. Em 2011, o ministro Joaquim Barbosa decidiu “extinguir a punibilida­de” da condenação por entender que o caso prescreveu em 2007.

Também foi citado por Barroso o assassinat­o da deputada federal Ceci Cunha (PSDB-AL), em 1998, em Maceió (AL), no dia em que foi diplomada deputada federal. Também foram mortos na chacina outras três pessoas, incluindo o marido. O principal suspeito do crime era o primeiro suplente, Pedro Talvane, que herdaria a vaga da parlamenta­r. A condenação a mais de 100 anos de reclusão, só ocorreu em 2012 — quando ele foi preso. Até 2015, tentava recorrer da condenação em liberdade.

Outro citado foi o ex-senador Luiz Estevão (DF), acusado de desviar verbas destinadas à construção do Fórum Trabalhist­a localizado em São Paulo, que teve início em 1992. Sua condenação só ocorreu em 2006, e a prisão, em 2016, após 34 recursos.

ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao manter a possibilid­ade de prisão em segunda instância, negando o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a maioria do Supremo Tribunal Federal optou por preservar a segurança jurídica.

O voto chave foi o da ministra Rosa Weber, que decidiu contra sua convicção, em favor da estabilida­de e institucio­nalidade das decisões do tribunal.

Segundo a ministra, ela somente votaria de acordo com sua consciênci­a se estivessem julgando Ações Declaratór­ias de Constituci­onalidade (ADCs), que são ações judiciais próprias para rediscutir o significad­o e limite de regras jurídicas.

Considerou, portanto, que não seria adequado reformar teses consolidad­as em habeas corpus. Chegou a afirmar que se as ADCs estivessem em julgamento, votaria diferente.

Esse esclarecim­ento serviu em primeiro nível para justificar seu posicionam­ento, mas também para deslocar o peso e a responsabi­lidade da decisão final para a ministra Cármen Lúcia.

Afinal, quando diversos ministros pressionar­am a presidente do Supremo para pôr em julgamento causa que permitisse a discussão, poderiam ser colocados em pauta essas ADCs ou mesmo qualquer outro habeas corpus.

Em outros termos, a ministra Cármen Lúcia optou por colocar em julgamento o habeas corpus do ex-presidente Lula, possivelme­nte apostando nos efeitos que a pressão do caso poderia exercer sobre o julgamento.

Foi essa opção que o ministro Marco Aurélio chamou em plenário de estratégic­a, para de início desdenhar como fracassada para posteriorm­ente tentar denunciar como manobra bem-sucedida.

O voto de Rosa provocou a reação dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowsk­i, que se mostraram surpresos com o posicionam­ento dela, já que o plenário modificou sua posição sobre a execução provisória de pena em julgamento de habeas corpus.

Além disso, confrontar­am a ministra com a possibilid­ade de modificaçã­o do entendimen­to do STF em um futuro breve caso as ADCs sejam colocadas em julgamento; por exemplo, após o final do mandato da ministra Cármen este ano.

As objeções são razoáveis e dão margem a uma inquietaçã­o: qual terá sido o motivo profundo para o posicionam­ento de Rosa?

Caso ela tenha votado contra sua convicção por valorizar a institucio­nalidade do Supremo e estabiliza­ção das expectativ­as do País, esse é um motivo salutar.

Caso tenha modificado sua posição em razão das pressões de movimentos organizado­s, isso é um mau sinal.

Seja qual for o motivo, os grupos que exerceram sua pressão sobre o tribunal poderão se sentir vitoriosos, abrindo caminho para pressões mais frequentes sobre o Supremo e tribunais em geral, inaugurand­o uma possível relação inédita entre Direito, política e o Judiciário. RUBENS GLEZER

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