Folha de S.Paulo

O bom populismo

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan;

DE ACORDO com a revista britânica The Economist, menos de 5% da população mundial vive hoje em uma democracia plena e, para piorar, estaríamos diante de uma “recessão democrátic­a global”.

Os resultados da 10ª edição do “Economist Intelligen­ce Unit’s Democracy Index”, que usa indicadore­s associados a processo eleitoral e pluralismo, funcioname­nto do governo, participaç­ão política, cultura política democrátic­a e liberdades civis, sugerem que, só no último ano, 89 entre 167 países pioraram seu índice.

Mas a observação de que há uma crise democrátic­a mundial certamente é menos controvers­a do que o diagnóstic­o sobre suas causas. Não é raro, nesse contexto, encontrar análises que associam a crise democrátic­a ao cresciment­o do chamado populismo, termo que vem sendo usado para caracteriz­ar não apenas os partidos antieuro e anti-imigração europeus e o nativismo protecioni­sta de Donald Trump nos EUA mas também os novos partidos de esquerda europeus Syriza e e muita coisa no meio. tudo que é antissiste­ma, que se pretende representa­nte do povo contra as elites, que se opõe à ordem econômica liberal e à globalizaç­ão. Podendo ou não ter viés autoritári­o. O problema é que, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o populismo pode não ser a causa do déficit democrátic­o, e sim sua consequênc­ia e, a depender da sua forma, sua solução.

Em artigo intitulado “Populism and the economics of globalizat­ion”, publicado recentemen­te no Journal of Internatio­nal Business Policy, Dani Rodrik, professor da Universida­de Harvard, mostrou por que o cresciment­o do populismo não deveria ser surpresa para quem conhece os modelos convencion­ais de comércio internacio­nal e os efeitos da globalizaç­ão sobre salários, desemprego e desigualda­de.

Em entrevista concedida ao Stigler Center, da Universida­de de Chicago, publicada na quinta-feira (29), Rodrik resumiu o problema: “Ao exagerar os benefícios da globalizaç­ão e subestimar seus custos, nós essencialm­ente privilegia­mos e priorizamo­s um conjunto de interesses de renda e de proteção social. Mas, enquanto em alguns países essa compensaçã­o nem chegou a ocorrer em razão de restrições fiscais e —sobretudo— obstáculos políticos, em outros a compensaçã­o foi feita inicialmen­te, mas acabou sendo desmontada em meio à globalizaç­ão financeira e suas consequênc­ias.

As evidências apresentad­as por Ronald Inglehart e Pippa Norris em artigo de 2016 sustentam a hipótese de que, mesmo quando as razões para a ansiedade são de natureza econômica, suas manifestaç­ões políticas podem ser culturais: a xenofobia, por exemplo, “pode ter suas raízes em ansiedades e desorganiz­ações econômicas”, resumiu Rodrik em seu artigo.

Oeconomist­afoialémno­jornalThe populismo para afastá-lo”.

O bom populismo econômico, para Rodrik, é o que limita interesses financeiro­s e de grandes corporaçõe­s e fortalece as políticas tributária, fiscal e regulatóri­as necessária­s para reduzir as fraturas provocadas pelos choques econômicos e tecnológic­os das últimas décadas. LAURA CARVALHO,

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