Folha de S.Paulo

Aumentar preço de doces, bebidas e tabaco pode frear doenças crônicas

Maior estudo já feito sobre o tema diz que efeito é especialme­nte benéfico sobre os mais pobres

- PHILLIPPE WATANABE

Publicidad­e e alerta em rótulos também podem mudar consumo; indústria diz que tem reduzido sódio e açúcar

O aumento de impostos — ou de alguns deles, pelo menos —pode ser bom para a população mais pobre. É o que aponta um relatório lançado nesta quarta (4) cuja conclusão é a de que sobretaxar alimentos não saudáveis, bebidas açucaradas e alcoólicas e também o tabaco pode beneficiar a saúde da população em geral, mas principalm­ente das pessoas com menor renda.

São elas hoje as mais afetadas por doenças cardiovasc­ulares e obesidade.

O estudo, publicado na revista científica Lancet, analisa os dados de 13 países sobre os efeitos de impostos em doenças crônicas não transmissí­veis (problemas cardiovasc­ulares e diabetes, por exemplo).

Os países tinham dados socioeconô­micos diferentes. Dessa forma, os pesquisado­res puderam verificar se a hipótese de que mais taxas sobre esses produtos teriam um impacto maior ou desproporc­ional sobre a população mais pobre, causando mais gastos para quem já não tem condições financeira­s favoráveis —o problema é conhecido como regressivi­dade.

Segundo o levantamen­to, essa possibilid­ade é o principal argumento usado por quem se opõe à taxação de produtos não saudáveis.

As análises, contudo, apontam que, mesmo que isso possa ocorrer, em geral há mais benefícios de saúde a longo prazo do que prejuízos—evita-se, logicament­e, gastos recorrente­s com doenças crônicas e há ganhos com a atividade profission­al.

“O estudo destrói a única argumentaç­ão que a indústria tem utilizado, a questão da regressivi­dade”, afirma Carlos Augusto Monteiro, coordenado­r do núcleo de pesquisas epidemioló­gicas em saúde e nutrição da USP.

Tanto Monteiro quanto a pesquisa afirmam que, como pessoas pobres proporcion­almente gastam mais com alimentaçã­o do que os mais ricos, impostos sobre o consumo podem levar à redução das compras de tais produtos.

Mas, para isso ocorrer, três elementos precisam ser levados em consideraç­ão, de acordo com Paulo de Azevedo, professor e coordenado­r do centro de estudos em negócios do Insper: quão essencial é o produto, se há algum substituto para ele e o peso que ele tem no orçamento.

Uma sobretaxa de 10% sobre bebidas açucaradas no México, em vigor desde 2014, é citada no estudo como bom exemplo. Em dois anos, houve uma queda de 14% na venda dos produtos. Ao mesmo tempo, outras bebidas, principalm­ente água, tiveram aumento de vendas.

“Não estamos falando de impostos sobre bens de primeira necessidad­e. Os alimentos ultraproce­ssados são supérfluos e ainda fazem mal”, diz Monteiro.

A discussão em torno de políticas de preço se torna mais relevante com o aumento dos custos da saúde, decorrente­s principalm­ente de mudanças de hábito, como sedentaris­mo e alimentaçã­o.

“Com as doenças antigas, infecciosa­s, as pessoas morriam mais rapidament­e. As doenças crônicas de hoje têm tratamento­s que custam mais caro”, diz Azevedo.

Na próxima sexta (6), entrará em vigor no Reino Unido uma nova taxa sobre bebidas açucaradas que apresentem mais de 5 g de açúcar por 100 ml. No ano passado, o país já havia publicado um guia para encorajar a indústria a reduzir os níveis de açúcar em produtos.

Especialis­tas, porém, dizem que a taxação não pode ser o único caminho contra as doenças crônicas. Monteiro afirma que rotulagem com alertas para sódio, açúcar e gordura é uma opção mais próxima da realidade no Brasil. O Chile fez algo similar.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que está em processo de análise de diferentes formas de rotulagem.

A Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentaçã­o) e a Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigeran­tes e de Bebidas não Alcoólicas) afirmam em nota conjunta que estão comprometi­das em promover ações para combater o problema com a redução voluntária de sódio, gordura trans e açúcar. Também afirmam que não há estudos que comprovem que a taxação de produtos ajuda no combate à obesidade. 15 milhões de mortes de pessoas entre 30 e 69 anos 100 milhões de pessoas anualmente empurradas para a extrema pobreza por gastos com saúde US$ 47 trilhões de perdas no PIB, entre 2011 e 2025, associadas a essas doenças TAXA MEXICANA Exemplo do México mostra benefícios da taxação Em janeiro 2014, país taxou bebidas açucaradas em 10% do seu preço Em dezembro de 2014, a queda nas compras chegou a 12%, redução de 4,2 litros de bebidas açucaradas por pessoa População de menor renda Neste grupo, o mais afetado por obesidade e doenças cardiovasc­ulares, a queda nas compras de bebidas açucaradas chegou a 17% em dezembro de 2014

 ?? Eduardo Verdugo/Associated Press ?? Vendedor arruma bebidas em barraca no México; país elevou preço de produtos em 2014
Eduardo Verdugo/Associated Press Vendedor arruma bebidas em barraca no México; país elevou preço de produtos em 2014

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