Aumentar preço de doces, bebidas e tabaco pode frear doenças crônicas
Maior estudo já feito sobre o tema diz que efeito é especialmente benéfico sobre os mais pobres
Publicidade e alerta em rótulos também podem mudar consumo; indústria diz que tem reduzido sódio e açúcar
O aumento de impostos — ou de alguns deles, pelo menos —pode ser bom para a população mais pobre. É o que aponta um relatório lançado nesta quarta (4) cuja conclusão é a de que sobretaxar alimentos não saudáveis, bebidas açucaradas e alcoólicas e também o tabaco pode beneficiar a saúde da população em geral, mas principalmente das pessoas com menor renda.
São elas hoje as mais afetadas por doenças cardiovasculares e obesidade.
O estudo, publicado na revista científica Lancet, analisa os dados de 13 países sobre os efeitos de impostos em doenças crônicas não transmissíveis (problemas cardiovasculares e diabetes, por exemplo).
Os países tinham dados socioeconômicos diferentes. Dessa forma, os pesquisadores puderam verificar se a hipótese de que mais taxas sobre esses produtos teriam um impacto maior ou desproporcional sobre a população mais pobre, causando mais gastos para quem já não tem condições financeiras favoráveis —o problema é conhecido como regressividade.
Segundo o levantamento, essa possibilidade é o principal argumento usado por quem se opõe à taxação de produtos não saudáveis.
As análises, contudo, apontam que, mesmo que isso possa ocorrer, em geral há mais benefícios de saúde a longo prazo do que prejuízos—evita-se, logicamente, gastos recorrentes com doenças crônicas e há ganhos com a atividade profissional.
“O estudo destrói a única argumentação que a indústria tem utilizado, a questão da regressividade”, afirma Carlos Augusto Monteiro, coordenador do núcleo de pesquisas epidemiológicas em saúde e nutrição da USP.
Tanto Monteiro quanto a pesquisa afirmam que, como pessoas pobres proporcionalmente gastam mais com alimentação do que os mais ricos, impostos sobre o consumo podem levar à redução das compras de tais produtos.
Mas, para isso ocorrer, três elementos precisam ser levados em consideração, de acordo com Paulo de Azevedo, professor e coordenador do centro de estudos em negócios do Insper: quão essencial é o produto, se há algum substituto para ele e o peso que ele tem no orçamento.
Uma sobretaxa de 10% sobre bebidas açucaradas no México, em vigor desde 2014, é citada no estudo como bom exemplo. Em dois anos, houve uma queda de 14% na venda dos produtos. Ao mesmo tempo, outras bebidas, principalmente água, tiveram aumento de vendas.
“Não estamos falando de impostos sobre bens de primeira necessidade. Os alimentos ultraprocessados são supérfluos e ainda fazem mal”, diz Monteiro.
A discussão em torno de políticas de preço se torna mais relevante com o aumento dos custos da saúde, decorrentes principalmente de mudanças de hábito, como sedentarismo e alimentação.
“Com as doenças antigas, infecciosas, as pessoas morriam mais rapidamente. As doenças crônicas de hoje têm tratamentos que custam mais caro”, diz Azevedo.
Na próxima sexta (6), entrará em vigor no Reino Unido uma nova taxa sobre bebidas açucaradas que apresentem mais de 5 g de açúcar por 100 ml. No ano passado, o país já havia publicado um guia para encorajar a indústria a reduzir os níveis de açúcar em produtos.
Especialistas, porém, dizem que a taxação não pode ser o único caminho contra as doenças crônicas. Monteiro afirma que rotulagem com alertas para sódio, açúcar e gordura é uma opção mais próxima da realidade no Brasil. O Chile fez algo similar.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que está em processo de análise de diferentes formas de rotulagem.
A Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) e a Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas) afirmam em nota conjunta que estão comprometidas em promover ações para combater o problema com a redução voluntária de sódio, gordura trans e açúcar. Também afirmam que não há estudos que comprovem que a taxação de produtos ajuda no combate à obesidade. 15 milhões de mortes de pessoas entre 30 e 69 anos 100 milhões de pessoas anualmente empurradas para a extrema pobreza por gastos com saúde US$ 47 trilhões de perdas no PIB, entre 2011 e 2025, associadas a essas doenças TAXA MEXICANA Exemplo do México mostra benefícios da taxação Em janeiro 2014, país taxou bebidas açucaradas em 10% do seu preço Em dezembro de 2014, a queda nas compras chegou a 12%, redução de 4,2 litros de bebidas açucaradas por pessoa População de menor renda Neste grupo, o mais afetado por obesidade e doenças cardiovasculares, a queda nas compras de bebidas açucaradas chegou a 17% em dezembro de 2014