Futebol feminino brasileiro está sem torneio há 9 meses
Clubes reclamam da dificuldade em buscar patrocínios e manter atletas em razão do calendário nacional ocioso
Tabela do Brasileiro foi divulgada 22 dias antes do início. No masculino, CBF divulgou com 68 dias de antecedência
Sem competição nacional desde julho do ano passado, quando terminou o Campeonato Brasileiro, as equipes de futebol feminino reclamam que a ociosidade atrapalha o planejamento e o crescimento da modalidade no país.
Os times só ficaram sabendo da forma de disputa e da tabela da edição deste ano na noite da última terça (3) —22 dias antes do campeonato.
No masculino, a tabela é divulgada com dois meses de antecedência. Neste ano, por exemplo, foi divulgada 68 dias antes da primeira rodada. A CBF organizou também um conselho arbitral, onde são discutidos alguns temas, o que não ocorreu no feminino.
A tabela, a fórmula de disputa, divisão dos grupos e o valor repassado aos clubes foram divulgados apenas no site da entidade.
“A ociosidade do calendário atrapalha o nosso planejamento. Conseguimos um patrocinador no final do ano passado e exploramos a marca por apenas 50 dias durante o Campeonato Amazonense. O restante da exposição foi apenas em mídia social”, disse João Amarildo, presidente do Iranduba, quarto colocado no Campeonato Brasileiro de 2017.
O time amazonense foi o único que comercializou ingressos na última edição da competição. O valor arrecadado (R$ 140 mil) nos jogos contra Flamengo, pelas quartas de final, e Santos, pela semi, foi suficiente para pagar a folha salarial e manter a base da equipe para 2018.
“Com a arrecadação e o valor acertado com o patrocinador para o Amazonense conseguimos arcar com os salários. Caso contrário, teríamos que liberar as meninas. Assim como o Iranduba, os outros times femininos não possuem receitas”, completou.
Atual campeão paulista e terceiro colocado no Brasileiro, o Rio Preto também reclamou do fato de a CBF divulgar a tabela a pouco tempo do início da competição. O clube lembrou ainda que, mesmo com calendário vazio, o Brasileiro será realizado simultaneamente ao Paulista.
“Temos o privilégio de disputar o Paulista, os Jogos Regionais e os Jogos Abertos, mas o calendário deveria ser mais planejado. O Paulista e o Brasileiro são disputados praticamente de forma simultânea. Não temos orçamento para ter um elenco grande, numeroso”, disse a presidente do clube, Doroteia Inojo.
“O ideal seria pensar [confederação e federações] de uma maneira integrada. Estamos treinando desde janeiro e só agora ficamos sabendo o regulamento”, disse Alessandro Rodrigues, gerente executivo do futebol feminino do Santos, campeão do último Brasileiro.
Até 2016, a CBF organizava o Brasileiro e a Copa do Brasil. Os torneios eram disputados cada um em um semestre e duravam no máximo três meses. No ano passado, a confederação extinguiu a Copa do Brasil e fez o Brasileiro mais extenso, com duas divisões —a Série A2 (segunda divisão) começou no dia 24.
Neste ano, a elite terá seis meses de duração, contra quatro em 2017. A Série A2 terá quase quatro meses.
“O período de ociosidade dificulta a motivação para treinar, além de contribuir para que alguns times parem de trabalhar e dispensem suas atletas para economizar. Desde que acabou a Copa do Brasil, realmente o calendário ficou muito ruim”, disse o técnico Ricardo Abrantes, do Flamengo, que possui parceria com a Marinha.
O Brasileiro é promovido pela SportPromotion e a Klefer, em parceria com a CBF. A organização paga transporte, alimentação e hospedagem dos times. Os clubes da primeira divisão recebem R$ 10 mil por jogo como mandante, R$ 5.000 como visitante e premiação pela colocação. COPA AMÉRICA Coordenador de futebol feminino da CBF, Marco Aurélio Cunha, afirmou que o início do Brasileiro foi adiado em um mês em razão da participação da seleção na Copa América (veja ao lado).
De acordo com o dirigente, os clubes receberam o calendário em dezembro.
Cunha disse também que a competição não foi antecipada porque os primeiros meses do ano são de muita chuva, o que prejudicaria o gramado dos campos utilizados pelas equipes femininas, que não têm a mesma estrutura dos usados no masculino.
DE SÃO PAULO
Seis meses depois de anunciar que não atuaria mais pela seleção por não concordar com a postura da CBF para o futebol feminino, a atacante Cristiane, 32, decidiu voltar atrás em sua decisão após ver melhoras, mesmo que ainda pequenas.
A jogadora foi convocada para a disputa da Copa América, no Chile, que classifica os dois primeiros colocados para o Mundial da França e apenas o campeão para a Olimpíada de Tóquio-2020. O Brasil estreia nesta quinta (5), às 19h, contra a Argentina.
“Recebi muitas críticas quando deixei a seleção e agora que voltei também. Decidi voltar porque entendi que a minha voz, minhas reivindicações, ficariam mais fortes estando na seleção brasileira”, disse a jogadora.
Em setembro, Cristiane decidiu deixar a seleção logo após a demissão da treinadora Emily Lima e a contratação de Vadão. Na oportunidade, pediu para Del Nero, hoje afastado da presidência CBF pela Fifa, uma reunião com as atletas para o desenvolvimento da modalidade.
Um Comitê de Futebol Feminino foi criado, mas extinto três meses depois. Mesmo assim, Cristiane diz ver as reivindicações das jogadoras serem atendidas aos poucos.
“É devagar, é pouco, mas as mudanças estão acontecendo. Hoje, temos uma liberdade para conversar com a CBF, as categorias de base contam com mulheres nas comissões técnicas. Premiações e direito de imagem, por exemplo, foram coisas que eu reivindiquei e estamos conseguindo”, acrescentou a atleta sem revelar valores que o time receberá.
Em outubro, a Folha mostrou que os jogadores convocados para a seleção masculina principal recebiam R$ 500 por dia da CBF, enquanto as mulheres ganhavam R$ 250. Fora do país, a diária masculina é em dólar e chega a R$ 1.600, enquanto as atletas recebiam o mesmo valor que em jogos no país.
Além de Cristiane, Vadão convocou também a volante Formiga, que tinha se aposentado da seleção em 2016.