Folha de S.Paulo

O som é o vilão. E arquitetar a sua ausência foi o maior

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desafio nas mãos dos criadores de “Um Lugar Silencioso”.

Nesse filme de terror dirigido e estrelado por John Krasinski, mais conhecido como o adorável Jim da versão americana de “The Office”, uma família tenta sobreviver sem fazer qualquer barulho, já que os monstros alienígena­s que invadiram a Terra devoram qualquer coisa capaz de emitir mais que um decibel.

Mudos e num estado constante de pânico, o casal e seus filhos no centro da trama usam a linguagem de sinais para conversar e só andam descalços pela velha fazenda onde foram parar na fuga de uma Nova York dominada pelos monstros ultrassens­íveis.

Krasinski, fortão e tentando se firmar como galã de filmes de ação, escalou sua mulher de verdade, Emily Blunt, para viver seu par romântico no filme. E a química —real— entre eles dá o passo além, driblando os possíveis mal entendidos de diálogos que dependem só dos braços, das mãos e das pontas dos dedos.

“Quando vejo filmes, as cenas que eu acho mais interessan­tes não têm toneladas de palavras”, conta Blunt, numa entrevista na suíte de um hotel em Manhattan. “São as coisas não ditas que interessam. Gosto de observar o que acontece entre as pessoas. É uma coisa encantador­a atuar em silêncio, usando mais o contexto do que as palavras.”

Todo o elenco, aliás, aprendeu a linguagem de sinais. Ou melhor, todos menos Millicent Simmonds, a atriz surda que dá vida a Regan, a filhinha do casal Krasinski-Blunt e peça-chave para o desfecho meio atordoante dessa trama.

“O jeito que você faz os sinais também precisa ser verdadeiro para o seu personagem, porque é a expressão da personalid­ade dele”, afirma Blunt. “Então enquanto o John era muito eficiente e rápido, a mãe era supercalor­osa e usava expressões faciais.”

Mas o encanto bizarro e meio improvável desse filme que cinéfilos menos pacientes poderiam dispensar de cara como mais um enredo calcado em sustos com monstros asquerosos transcende seus —pouquíssim­os— diálogos.

Seu poder está na supressão do som, subvertend­o um dos elementos centrais de filmes do gênero, que abusam da trilha incidental como alerta de que algo terrível vai acontecer. É como se, também no papel do diretor, Krasinski pusesse em prática o conceito que fez o elenco todo decorar de que às vezes “a fraqueza pode virar uma arma”.

Numa das cenas mais comentadas do filme, essa ideia do silêncio como arma chega à força máxima. Grávida e minutos antes de dar à luz, a personagem de Blunt entra numa banheira vazia sabendo que está rodeada por aqueles monstros assassinos.

E então ela grita sem gritar, a expressão do terror ao mesmo tempo muda e expansiva.

“Quando gravamos aquilo, o ar no set mudou, foi muito poderoso”, lembra Krasinski. “Eu entrei mesmo naquele mundo, pensei que se eu pudesse fazer o público se apaixonar por essa família, os sustos seriam bem maiores, porque você não quer que nada aconteça com eles ali.”

Nesse ponto, as crianças do filme, Simmonds e o irmãozinho interpreta­do por Noah Jupe, encarnam essa noção de fragilidad­e extrema.

Não por acaso, Krasinski diz que todo o horror que construiu é uma alegoria da paternidad­e, a ideia de que um dia os seus próprios filhos vão precisar se perder na “floresta profunda e escura” que é o mundo, com ou sem os monstros horríveis que criou.

“É um filme sobre a esperança”, resume Jupe. “E também sobre a ideia de que não existe a coragem sem medo.”

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