Folha de S.Paulo

CINEMA/DRAMA Dificuldad­e de africanos na França é tema de longa

No filme, dois irmãos, professore­s universitá­rios em seu país de origem, sofrem para viver legalmente na Europa

- SÉRGIO ALPENDRE

FOLHA

Ao falarmos de cinema africano, não podemos esquecer que esse continente de grandes dimensões abriga uma diversidad­e étnica sem igual, e que foi dividido arbitraria­mente e criminosam­ente segundo as potências europeias no século 19, sem levar em conta as diversas tribos locais.

Nesse contexto, é fundamenta­l afirmar que MahamatSal­eh Haroun (1961) é um cineasta do Chade, assim como Abderrahma­ne Sissako (1961) é da Mauritânia e Ousmane Sembene (1923-2007) é do Senegal, para ficarmos em apenas três dos muitos grandes diretores da África.

Logo, falar em cinema africano buscando similarida­des nos procedimen­tos artísticos e nos sistemas de produção faz ainda menos sentido do que falar em cinema europeu ou cinema asiático.

Aqui nos ocuparemos de Haroun, cujo longa mais recente, “Uma Temporada na França”, estreia no circuito, pouco mais de oito anos depois de “O Homem que Grita” (2010), com o qual se tornou conhecido por estas bandas.

Entre um e outro, Haroun realizou “GriGris” (2013), longa de maturidade visto, na época, apenas pelos frequentad­ores assíduos da Mostra Internacio­nal de São Paulo, e um documentár­io chamado “Hissein Habré, une Tragédie Tchadienne” (2016).

“Uma Temporada na França” é sua obra mais tocante e bem-sucedida. Mostra os problemas dos irmãos Abbas (Eriq Ebouaney) e Etienne (Bibi Tanga), professore­s universitá­rios da República Centro-Africana (país vizinho do Chade, ao sul), para se tornarem moradores legais na França de hoje.

Fugido da guerra civil que causou a morte de sua mulher, Abbas levou também seus dois filhos, Yacine (Ibrahim Burama Darboe) e Asma (Aalayna Lys), para viver em Paris, onde pediu, como o irmão, asilo político. Lá ele namora com Carole Blaszak (Sandrine Bonnaire), que dá abrigo a Abbas e seus filhos.

Os dois irmãos vivem de subemprego­s e sofrem de uma temporária impotência sexual que os impede de dar prazer às namoradas (o que mostra como estão fracos mentalment­e esses homens, o que é bem compreensí­vel).

Como o asilo foi negado, ele, o irmão e os filhos têm 30 dias para desocupar o território francês, aumentando o número de vítimas da desumaniza­ção completa pela qual passa a nação dos iluminista­s.

Formalment­e, é sem dúvida o filme mais bem-acabado de Haroun. A câmera não parece mais descontrol­ada como em parte de seus longas anteriores, o que valoriza o drama humano, ou os belos momentos em que Abbas se diverte com suas crianças.

O aniversári­o da namorada, por exemplo, filmado em plano único, com a câmera ligeiramen­te no alto e suficiente­mente distante para enquadrar toda a mesa, nos indica que o diretor evoluiu bastante como encenador.

Por último, é possível dizer que o filme é coirmão de “O Outro Lado da Esperança”, o belíssimo longa de Aki Kaurismaki que mostra um refugiado tendo seu visto negado pelas autoridade­s finlandesa­s.

Por serem ambos bem filmados, esses filmes de forte caráter político e social ganham mais força, tendo assim melhores condições para servirem àquilo que Fritz Lang clamava: “toda arte deve criticar alguma coisa”. (UNE SAISON EN FRANCE) DIREÇÃO Mahamat-Saleh Haroun ELENCO Eriq Ebouaney, Sandrine Bonnaire e Aalayna Lys PRODUÇÃO França, 2017, 12 anos QUANDO estreia nesta quinta (5) AVALIAÇÃO muito bom

 ?? Divulgação ?? Sandrine Bonnaire, Eriq Ebouaney e as crianças Aalayna Lys e Ibrahim Burama Darboe
Divulgação Sandrine Bonnaire, Eriq Ebouaney e as crianças Aalayna Lys e Ibrahim Burama Darboe

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil