Folha de S.Paulo

Rosa revolucion­ária

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SÃO PAULO - O evento de efeitos mais duradouros destes dias tumultuado­s pode não ter sido a prisão do ex-presidente Lula, mas sim o voto da ministra Rosa Weber no julgamento de 4 de abril, no Supremo.

O teor da manifestaç­ão da juíza foi coerente com seu modo de portar-se. Não dá entrevista­s nem antecipa opiniões, não patrocina lobbies nem se mete em assuntos que conotem conflito de interesse. Não desafia a jurisprudê­ncia.

Uma corte suprema não deveria ser fator de inseguranç­a, com mudanças bruscas de rumo. Os mapas que norteiam os juízos não se alteram só porque a maioria passou a pensar diversamen­te.

É preciso algo mais, como vários anos de acúmulo de precedente­s no sentido contrário ou um choque da realidade fática, para alterar a jurisprudê­ncia do STF. Eis os pressupost­os do voto da ministra Weber.

Reflexos dos insultos subterrâne­os à magistrada, plenos de machismo, vieram à tona tão logo a direção de seu voto ficou clara. Tal lógica condenaria o Judiciário ao imobilismo eterno, argumentam seus críticos mais civilizado­s.

Decerto ela fez opção entre dois valores jurídicos —a necessidad­e de evoluir e a de assegurar previsibil­idade à expectativ­a dos agentes sociais. Preza mais o segundo, o que não significa anulação nem estrangula­mento do primeiro.

O cumpriment­o de pena após a segunda instância tende a tornar-se regra sujeita a conjunto não desprezíve­l de exceções. Prisões mal fundamenta­das, alta probabilid­ade de sucesso nos recursos e falhas processuai­s graves têm justificad­o conceder liberdade ou relaxar o regime de detenção.

Se as instâncias inferiores se lambuzarem de punitivism­o, os casos de revisão vão crescer ao longo dos próximos anos e isso poderá justificar mudança na jurisprudê­ncia. Esse é o voto da ministra Rosa, que não é Luxemburgo, mas cujo conservado­rismo é quase revolucion­ário no Brasil. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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