Folha de S.Paulo

Lula e a incerteza

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A combinação de recessão econômica e exposição quase pornográfi­ca da corrupção é “explosiva”: em qualquer contexto leva governos e lideranças à bancarrota. Esse é o ponto de partida para a análise das eleições gerais de 2018.

As consequênc­ias dessa combinação explosiva são instantâne­as em países parlamenta­ristas: queda do gabinete e eleições gerais. Mas em regimes presidenci­alistas esse impacto é diferido no tempo.

Ao contrário da maior parte das democracia­s presidenci­ais —da Argentina aos EUA—, não temos no Brasil eleições intermediá­rias (“midterm elections”, no jargão). Se a crise tem início no primeiro ano de governo — como no caso da gestão Dilma—, suas consequênc­ias sobre o sistema partidário só se farão sentir quatro anos depois.

As eleições municipais de 2016 dão uma pista sobre o que pode ocorrer com as candidatur­as proporcion­ais e majoritári­as nas eleições de 2018: o PT perdeu 60% das prefeitura­s que detinha.

A eleição presidenci­al será, assim, a primeira em que observarem­os as severas consequênc­ias esperadas da “combinação explosiva”. Mas há três fatores que mitigam seu impacto e juntos tornam o pleito presidenci­al especialme­nte singular.

Em primeiro lugar, o impacto se deu não apenas sobre o governo: a Lava Jato alcançou o natural beneficiár­io da bancarrota, o então líder da oposição Aécio Neves, pulverizan­do sua candidatur­a.

Em segundo lugar, a narrativa do impeachmen­t como “estratégia de estancar a sangria” foi eficiente em arrefecer a rejeição ao PT e a Lula, a qual se reduziu em quase 40% em cerca de um ano.

Em terceiro lugar, a demora na recuperaçã­o da economia arrefeceu o impacto da “combinação explosiva” porque diminui a clareza de responsabi­lidade pela crise (a quem atribuir a culpa, Dilma ou Temer?).

O efeito na direção contrária do “voto com o bolso” devido à melhoria recente (baixa de juros, geração incipiente de emprego etc.) pressupõe candidatur­as minimament­e viáveis do campo do governo. Mas elas inexistem. A perda de centralida­de da economia na explicação do voto é singular nas eleições de 2018.

A eleição presidenci­al torna-se assim insólita: pela primeira vez desde Sarney, o presidente incumbente é não só ator secundário como tornase tóxico. A debacle das candidatur­as de Temer, Aécio e Lula (esperada devido à Lei da Ficha Limpa) fragmenta a disputa baixando o sarrafo. O resultado é o surgimento de outsiders viáveis como Bolsonaro ou Joaquim Barbosa, pela primeira vez desde Collor.

A prisão de Lula e manutenção de sua candidatur­a exacerba a incerteza geral. Paradoxalm­ente seu efeito mais contundent­e é sobre o campo da esquerda, no qual exacerba problemas de coordenaçã­o.

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