Folha de S.Paulo

Guerra dos canudos

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RIO DE JANEIRO - No começo do ano (“Canudos assassinos”, Opinião, 8/1), ao dar meu expediente matinal em certo quiosque de Ipanema, calculei que, a uma média de 300 cocos servidos diariament­e em cada um dos 300 quiosques da orla atlântica do Rio, estávamos contribuin­do com 90.000 cocos por dia para o prazer da humanidade. Supondo que tal média se mantivesse pelo resto do ano —e este verão, pelo visto, tende a se eternizar—, seriam 32.850.000 cocos por ano. Tudo bem. Mas seriam também 32.850.000 inúteis, degradante­s e assassinos canudos de plástico. Tudo mal.

Chamar os canudos de “descartáve­is” é uma ironia contra nós mesmos. Nós os descartamo­s —ao acabar de usá-los, costumamos deixálos no próprio coco ou os largamos com displicênc­ia sobre a mesa ou no chão. Mas a natureza levará séculos para se livrar deles, no que terão tempo de sobra para contaminar rios e mares e ameaçar espécies marinhas ou fluviais. Para a natureza, eles não são “descartáve­is”.

Os americanos, que despejam 500 milhões de canudos por dia no ambiente, começam a se perguntar quem lucra com isso, exceto seus fabricante­s. Os quais impuseram aos garçons e empregados de bares e lanchonete­s a cultura de enfiar —sem perguntar— um canudo em qualquer milkshake ou lata de refrigeran­te servido em suas mesas. Curiosamen­te, em suas próprias casas, as pessoas usam copos —por sinal, de vidro—, e não canudos, para consumir suas beberagens.

Em alguns países, já há campanhas em andamento para abolir o canudo. Basta, na verdade, conscienti­zar os usuários a recusá-los para levar os proprietár­ios de bares e garçons a deixar de oferecê-los.

E, claro, sempre poderemos sair com nossos próprios canudos não descartáve­is, feitos de algum material resistente, aptos a ser lavados e reusados. A natureza agradecerá. MARCUS ANDRÉ MELO

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