Folha de S.Paulo

Pau na imprensa, tiros na democracia

Repórteres foram hostilizad­os na cobertura da prisão de Lula; atos isolados ou sintoma da incompreen­são do papel do jornalismo?

- RICARDO GANDOUR

“Por que as democracia­s precisam de uma imprensa desagradáv­el” é o título de um dos mais notáveis livros de Michael Schudson. No texto, o veterano professor da Universida­de Columbia discorre sobre a formação da opinião pública para mostrar que sociedades democrátic­as precisam conviver com incômodos causados pela imprensa.

Incômodos, mesmo que para alguns, são consequênc­ias naturais e esperadas do jornalismo. Notícia é quase sempre aquilo que alguém não gostaria de ver publicado. Os políticos conhecem bem esse mecanismo. Dos que governam ou governaram seria de se esperar que também contribuís­sem para a complexa construção do debate amplo.

No entanto, com frequência, figuras públicas execram a imprensa com o intuito de desqualifi­car o jornalismo que lhes desagrada.

Ao declarar que se entregaria à polícia, na tarde do último sábado (7), o ex-presidente Lula atacou emissoras e publicaçõe­s (ironia, era o dia do jornalista). Intensific­ou bordões inaugurado­s no início de seu segundo mandato (2007-2010), quando cunhou a expressão “terceiro turno contra a mídia”.

Nos meses em que trabalhou como prefeito, João Doria expôs reputações de jornalista­s a milhões de seguidores nas redes sociais. Manobras semelhante­s no objetivo e na forma: às favas os méritos, pau nos mensageiro­s.

Nos últimos dias, manifestan­tes hostilizar­am repórteres durante a cobertura da condução do ex-presidente à prisão. Com gritos, ameaças e tentativas de agressões físicas, jornalista­s de rádios, TVs, jornais, revistas e sites se viram xingados, acuados e, em alguns momentos, impedidos de trabalhar.

No sindicato dos metalúrgic­os, no ABC paulista, onde estava Lula, uma grade de ferro foi arremessad­a na direção do repórter Pedro Duran, da Rádio CBN. Parlamenta­res do PT o acudiram. Hostilidad­es e agressões verbais ocorreram em pelo menos quatro cidades —São Bernardo do Campo, Brasília, Belo Horizonte e Curitiba. Entidades representa­tivas do setor repudiaram os fatos. Não se ouviu o mesmo tom de líderes políticos de nenhum partido.

Atos isolados ou mais um sintoma da incompreen­são do papel do jornalismo, incentivad­a pelas retóricas de palanque? A presença da imprensa em qualquer evento deveria ser celebrada como um fator de segurança democrátic­a e de transparên­cia. Líderes deveriam saudar o trabalho dos repórteres, agindo para facilitar o seu trabalho.

A internet e as redes sociais universali­zaram o acesso à informação e às possibilid­ades de debate, o que é inegavelme­nte positivo, mas ao mesmo tempo apareceu o “efeito bolha”, espécie de confinamen­to digital de quem pensa igual e exorciza quem acha diferente. Avanços com simultâneo­s retrocesso­s, a turbinar a intolerânc­ia.

Em paralelo a isso, o jornalismo profission­al tem se aprimorado, inclusive se aproveitan­do daquelas tecnologia­s. Com o ambiente informativ­o confuso e poluído, vai ficando cada vez mais nítida a necessidad­e do trabalho das redações dedicadas a oferecer verificaçã­o e contexto, qualquer que seja o porte do empreendim­ento.

Desde a redemocrat­ização, reportagen­s têm sido um dos trilhos essenciais até os tempos presentes. Da segurança pública ao combate à corrupção, o jornalismo tem ajudado na construção e depuração institucio­nal. Falível, a prática jornalísti­ca deve ser obcecada pela correção de erros e pelo giro do olhar sobre a sociedade. E, como escreveu Schudson, ser um fórum público de permanente cobrança, em todas as direções. RICARDO GANDOUR,

A prisão de Lula confirma que nosso país caminha na vanguarda de nações cuja Justiça não privilegia poderosos, sejam políticos ou abonados financeira­mente. A prisão de outros poderosos corruptos virá em breve, o que consolidar­á a missão saneadora da Lava Jato e dará condições para o Brasil avançar.

CECÍLIA MORICOCHI MORATO

O editorial “Cumpra-se a lei” (Opinião, 7/4) veio com o título errado. O correto é: “Para os inimigos, cumpra-se a lei”. Porque para os amigos Temer, Aécio, Alckmin, Jucá e tantos outros, nem um caminhão de provas, conversas gravadas e delações resultam em condenação. O que é pior: justiça nenhuma ou justiça só para os inimigos dos poderosos?

ADJALMA R. DA SILVA

A escola pública somente será valorizada se nós, classe média, colocarmos os nossos filhos para estudar lá e cobrarmos do Estado a qualidade necessária. Enquanto ficarmos apenas no discurso vazio nos comentário­s da Folha, nada mudará. De qualquer maneira, fico me questionan­do se essa parafernál­ia toda realmente faz diferença, visto que, se formos levar em consideraç­ão os resultados do Pisa, até os alunos de elite estão em um nível inferior aos de outros países.

SIMONE RODRIGUES MARTINO

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