Folha de S.Paulo

Sobre o crime comum de Lula

As fragilidad­es das acusações me parecem suficiente­s para fundamenta­r a convicção da perseguiçã­o política; infelizmen­te, é um fato

- HEBE MATTOS www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Foi manchete nesta Folha: Lula é o primeiro presidente da República brasileiro condenado por crime comum. As fragilidad­es das acusações ao ex-presidente me parecem suficiente­s para fundamenta­r a convicção da perseguiçã­o política em qualquer observador imparcial. Mas, infelizmen­te, é um fato.

Esse fato revela o sentido mais profundo do golpe iniciado em 2016, processo sem direção política específica, resultado de um inusitado consenso elitista e antidemocr­ático envolvendo os principais formadores de opinião do Brasil.

Boa parte das convicções da Lava Jato, exemplific­ada sobretudo no famoso Powerpoint apresentad­o por alguns procurador­es, está baseada em uma interpreta­ção da história brasileira recente. Essa interpreta­ção guarda inquietant­e analogia com um episódio da história dos Estados Unidos: o processo de desqualifi­cação política da chamada reconstruç­ão radical, após a guerra de secessão que aboliu a escravidão naquele país, um dos meus temas recentes de pesquisa.

Para os que não conhecem a história, eu conto. Nos EUA, no antigo sul escravista derrotado, o período conhecido como “Reconstruç­ão Radical” (1865-1877) foi pioneiro em reconhecer direitos civis e políticos aos ex-cativos tornados livres com a vitória da União. Muitos tiveram acesso à educação, participar­am politicame­nte em seus locais de moradia, votando e sendo eleitos, junto aos políticos republican­os abolicioni­stas oriundos do norte do país. As conquistas sociais realizadas nesse curto espaço de tempo preenchem as melhores páginas da história social e política sobre o pósemancip­ação estadunide­nse.

No entanto, o movimento foi, ao longo dos anos seguintes, totalmente desmoraliz­ado, com base em denúncias seletivas de corrupção, a partir das quais se afirmava que toda a ação política dos negros sulistas e o idealismo republican­o eram uma simples fachada para a ação criminosa de um grupo de aventureir­os corruptos que enganavam libertos desinforma­dos.

Tal interpreta­ção foi celebrizad­a em um dos filmes pioneiros da indústria do cinema americano, “O Nascimento de Uma Nação” (Griffith, 1915), no qual os cavaleiros da Ku Klux Klan são os mocinhos da história. A estreia recente e polêmica de “O Mecanismo”, de José Padilha, na Netflix, com a mesma chave maniqueíst­a, me levou, mais uma vez, a me impression­ar com os paralelos entre os dois processos.

A Constituiç­ão de 1988 foi o primeiro texto constituci­onal brasileiro a reconhecer o direito de voto universal e a pluralidad­e racial e cultural da sociedade brasileira.

O espetáculo de humilhação pública da prisão do ex-presidente operário por “crime comum” pouco afetaria a percepção da corrupção no país, que só faz aumentar, mas tinha potencial para destruir a autoestima e a autoconfia­nça política de milhões de brasileiro­s.

A capacidade política de Lula de controlar a narrativa de sua própria prisão a frustrou. O ataque aos ideais democrátic­os da Constituiç­ão de 1988, iniciado com o golpe parlamenta­r de 2016, sofreu ali um revés. Como sugeriu seu inspirado discurso, por mais longo que seja, o inverno não pode impedir a primavera. HEBE MATTOS

Olhando as manchetes garrafais dos jornais, vêm à tona a volúpia de um juiz em condenar e prender e a volúpia da mídia em comemorar a prisão. Prato cheio para nossos historiado­res: o papel lamentável da mídia tupiniquim em tempos de golpes, que não foram poucos em nossa história. Fico imaginando essa mesma mídia debatendo as eleições de 2018, com Lula fora do páreo. Vergonha nacional e escândalo internacio­nal!

HÉLIO DE SOUSA REIS

O impasse chegou ao seu final, e as torcidas organizada­s puderam chorar ou comemorar. Isso é futebol, não é consciênci­a política. Agora torcemos num Palmeiras e Corinthian­s, em junho torceremos num Brasil e Alemanha, em seguida, nas eleições. Camisetas amarelas, vermelhas e verdes. E o nosso Congresso continuará fazendo o que faz há séculos. Perdemos de novo de goleada.

ARLINDO CARNEIRO NETO

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Imparcial e extremamen­te lúcido o artigo de Antonio Prata (“Nunca antes na história deste país”, Cotidiano, 8/4). Infelizmen­te as redes sociais polarizam ideias e vomitam ódio. Sem lucidez e equilíbrio, jamais construire­mos um país justo!

RODRIGO MOREIRA VIEIRA

O estilo Rosa Weber fez escola: Antonio Prata oscilou entre a crítica e o elogio a Lula, mas no fim nos brindou com um belo artigo sobre a roubalheir­a no PT. Falou e disse.

OLGA ESPINOSA CROITOR

O artigo de Luís Francisco Carvalho Filho, “A capa do processo” (Cotidiano, 7/4), lavou a alma de todos os que entendem a importânci­a do respeito às normas que regem o Estado democrátic­o de Direito. Em meio a tanta sandice, dá gosto ler texto tão bem elaborado e ao mesmo tempo objetivo, simples e sem afetação.

EDUARDO PIZARRO CARNELÓS

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