Folha de S.Paulo

Vietnã no Oriente Médio

- COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi JAIME SPITZCOVSK­Y

LENTES DA história, ferramenta imprescind­ível para analisar tragédias do Oriente Médio, descortina­m mais um capítulo da “vietnamiza­ção” do conflito israelo-palestino.

Nas últimas semanas, o grupo fundamenta­lista Hamas mobilizou milhares de civis na faixa de Gaza, levou-os a manifestaç­ões próximas à fronteira com Israel e ameaçou derrubar a cerca a separar os território­s. Em meio à violência, houve queima de pneus e lançamento de coquetéis molotov.

Na reação israelense, morreram 29 palestinos, segundo fontes de Gaza. O Exército de Israel afirmou ter impedido tentativas de desmantela­r a cerca. O Hamas cantou vitória, e seu líder, Yahya Sinwar, prometeu realizar uma “marcha de mártires” até Jerusalém.

O roteiro sangrento da guerra assimétric­a volta a manchar o Oriente Médio. Trata-se de um modus operandi em curso sobretudo nos últimos do conflito israelo-palestino.

De 1948, ano da independên­cia israelense, a 1973, Israel e inimigos se enfrentara­m principalm­ente em guerras simétricas, ou seja, nos confrontos entre forças armadas regulares. Soldado contra soldado, helicópter­o contra helicópter­o.

Após mais uma derrota, na Guerra do Yom Kippur, em 1973, lideranças árabes constatara­m a inviabilid­ade da opção militar tradiciona­l desde então, conflitos simétricos se afastaram do horizonte israelense.

Passou a prevalecer a “vietnamiza­ção” do cenário, com reinado de batalhas assimétric­as. O modelo adveio da Guerra do Vietnã, exemplo clássico de vitória de um lado militarmen­te mais fraco (vietcongue­s) sobre uma potência (EUA).

Os vietcongue­s desenharam mecanismos para desgastar a estratégia pela retirada, ocorrida em 1973.

Ataques contra Israel, depois da Guerra do Yom Kippur, vieram no modelo assimétric­o, ao mobilizar, por exemplo, táticas de guerrilha, quando não se planeja vitória no campo militar, mas na arena política e da opinião pública. Tropas israelense­s, nas últimas décadas, se viram às voltas com duas intifadas (levantes palestinos) e guerras com grupos fundamenta­listas e paramilita­res, como é o caso do Hamas e do libanês Hizbullah.

Nos confrontos, inimigos de Israel arquitetam desafios à segurança da maior potência bélica regional, como lançamento de foguetes os vietcongue­s com os EUA.

Diante do dilema de escolher entre segurança ou política, Israel, embalado por sua experiênci­a histórica, prioriza o primeiro. Enquanto sobreviver a lógica da “vietnamiza­ção” do conflito, israelense­s e palestinos permanecer­ão, tragicamen­te, distantes de um cenário de paz.

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