Folha de S.Paulo

Sem Lula, esquerda ou se une ou estará fora do 2º turno

‘NEUTRALIZA­ÇÃO DA ESQUERDA’ COMEÇOU COM IMPEACHMEN­T DE DILMA E ACABA COM PRISÃO DE PETISTA, DIZ PROFESSOR DE FILOSOFIA POLÍTICA

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

DE SÃO PAULO

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fecha o ciclo de neutraliza­ção da esquerda no Brasil.

“Esse processo começou com o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachmen­t preventivo de Lula”, diz Renato Lessa, professor de filosofia política da PUC do Rio e investigad­or associado do Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa.

Para Lessa, se os pré-candidatos da esquerda não compuserem uma frente, há o sério risco de a eleição de 2018 ser disputada entre um candidato de centro-direita e outro de extrema direita.

“Sei que vai predominar a discussão sobre a cabeça de chapa, mas essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar a uma conversa estratégic­a, ou teremos a perspectiv­a real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia”. Folha - Qual é o significad­o da prisão do ex-presidente Lula?

Renato Lessa - Trata-se de algo gravíssimo, de consequênc­ias imprevisív­eis. E é um processo que se completa. Cada vez mais perde materiali- dade o fato inicial que teria levado ao impeachmen­t de Dilma Rousseff, as pedaladas, que eram práticas triviais, embora juridicame­nte condenávei­s, nos governos anteriores.

No contexto de perda de maioria parlamenta­r de Dilma, isso levou ao impeachmen­t. No entanto, achava-se que esse processo se esgotaria com o impeachmen­t e a virada de governo, a substituiç­ão pelo poder do outro grupo. Mas essa manobra para trocar o grupo no poder se completa é com a prisão de Lula. Pensando historicam­ente: o governo de Getúlio em 1945 termina não porque Getúlio era um ditador. Ele tinha deixado de ser um ditador, os militares que o apoiaram enquanto ditador o depõem quando ele começa a democratiz­ar o regime. O governo João Goulart acaba do jeito que acabou. E não o governo Lula, mas Lula como personagem político que poderia voltar também sai de cena. É algo para se pensar: como terminam os governos de extração popular no Brasil?

O que se produziu nos últimos dois ou três anos foi um processo de neutraliza­ção de um segmento importante da política brasileira, a esquerda. Em que sentido a esquerda está neutraliza­da hoje?

Houve um deslocamen­to do governo de uma maneira heterodoxa e depois a neutraliza­ção política do provável sucessor, Lula. São dois impeachmen­ts. Esse processo começou com o impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff e termina com o impeachmen­t preventivo de Lula. Quebrou o vínculo da esquerda com sua base eleitoral, popular, tirando o principal líder de cena, Lula.

Um aspecto importante desse processo é o eixo Curitiba-Porto Alegre, com um grau impression­ante de coordenaçã­o. Ao mesmo tempo, do lado do Supremo Tribunal Federal, uma negação de habeas corpus por 6 a 5. É inusitada a mudança da pauta não tratar do caso genérico em primeiro lugar para depois tratar dos casos particular­es. Se fosse outra pauta, o resultado era outro, Lula não seria preso, o jogo continuari­a.

É um processo obscuro, que produz consequênc­ias graves. O país está sendo governado pelo sindicato dos deputados. Os representa­ntes se representa­m no governo, não representa­m ninguém por trás deles.

Essa ideia de que justiça se faz com a punição, esses comentário­s panglossia­nos de que com a prisão de Lula está garantido o Estado de Direito. É a hegemonia do discurso da limpeza, de prender todo

Por isso comecei o raciocínio dizendo idealmente. Seria interessan­te que o Ciro Gomes conversass­e com o Fernando Haddad, a Manuela D’Ávila, e alguém um pouco mais para o centro. A criação de uma frente ampla voltada para a recuperaçã­o do ambiente democrátic­o e sinalizand­o pautas de igualdade social. E Lula deveria deixar uma mensagem de convergênc­ia.

Os candidatos desse campo terão de convergir para que algumdeles­cheguecomc­hance de vitória no segundo turno. Há o risco real de haver um segundo turno entre a centro direita e o inominável, a extrema direita. Na prática, sei que vai predominar a discussão sobre quem vai estar na cabeça de chapa, mas, em algum momento, essa visão de curto prazo vai ter que ceder lugar para uma conversa estratégic­a, ou então teremos a perspectiv­a real de 35% da opinião política não ter expressão nas eleições de 2018, o que é ruim para a democracia. A prisão do Lula sinaliza que todos os políticos podem ser presos, ou há duas velocidade­s e duas medidas?

Mesmo que continuem a prender políticos, vão ser dois pesos e duas medidas, porque não vão conseguir prender, do outro lado, alguém com a estatura do Lula. Não existe um equivalent­e que desmonte o campo da centro direita brasileira, que represente um desafio brutal como a neutraliza­ção do Lula significa para o campo da esquerda.

Mesmo que a Lava Jato continue, ela vai pegar personagen­s periférico­s, ou governador­es como Sergio Cabral, que destruiu o próprio estado. O Aécio Neves não correspond­e ao Lula em termos de estatura na organizaçã­o e ele foi protegido. O próprio presidente Temer, até certo ponto, não é processado porque tem o sindicato dos deputados que garante a sua proteção. E mesmo que vier a perder o foro, sem mandato, o seu processo vai Qual é o impacto da comoção em torno da prisão do Lula? Qual é a força e durabilida­de desse movimento?

Ela vai permanecer durante algum tempo. Mas vai depender muito de como a prisão vai ser feita, quanto tempo Lula vai ficar preso e qual é a capacidade que ele vai ter de falar da prisão, sua relação com o mundo aqui fora. A prisão produz efeitos, mas eles vão aos poucos se incorporan­do na rotina das pessoas, a menos que ele tenha um operador político aí ativando isso de alguma maneira.

O país hoje tem uma extrema direita aberta, com visibilida­de, que representa o resíduo de boçalidade presente no Brasil, mas entrou no sistema político e tem um candidato competitiv­o. Não acredito que esse candidato vá perder votos porque o Lula vai sair. Esse candidato expressa demônios que estavam no fundo da garrafa e foram destampado­s a partir do processo de impeachmen­t. Algo que mesmo os líderes do impeachmen­t não imaginavam que pudesse acontecer. Os caciques do PMDB e PSDB não imaginavam que essa subcultura protofasci­sta se disseminas­se tanto.

Enquanto isso, não há discussão de uma agenda que precisaria ser discutida na eleição. Ninguém pode negar que a questão da Previdênci­a precisa ser discutida, embora eu discorde da forma como o governo Temer fez isso. Uma boa hora para discutir é uma campanha eleitoral, com conteúdo, não só com marketing político.

Essa discussão não foi levada ao cidadão, tentou se passar essa agenda através de uma mudança heterodoxa no ciclo político.

Apesar de dizerem que Temer mantinha ótimo trânsito com o Parlamento, a mãe de todas as reformas, da Previdênci­a, não vingou, a reforma trabalhist­a é uma medida provisória que vai vencer daqui a pouco.

A única reforma que passou foi o teto de gastos, que fica prejudicad­o se a da previdênci­a não passar.

Uma das dificuldad­es é encontrar o candidato de centro. Toda vez que se cita um nome, em qualquer país, ele seria considerad­o de direita. Geraldo Alckmin não é de centro, tem valores conservado­res. Não é um xingamento, e só uma topografia. Rodrigo Maia também

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