Folha de S.Paulo

Shakespear­e e a atualidade

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Juliana de Albuquerqu­e; JULIANA DE ALBUQUERQU­E terça: Vera Iaconelli; quarta: Ilona Szabó de Carvalho; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

NESTA SEGUNDA-FEIRA, em Porto Alegre, José Francisco Botelho (colunista da Veja e do Estado da Arte) lança mais uma tradução de Shakespear­e pela editora Penguin/ Cia. das Letras. Trata-se da célebre “Tragédia de Júlio César”, cujo enredo traz relevante mensagem a todos que buscam sentido no atual momento político brasileiro.

O poder a que César se arvorou, apesar de sua popularida­de, constituiu-se em ameaça à estabilida­de das instituiçõ­es republican­as. Por isso, foi assassinad­o. Mas sua morte, em vez de garantir a prosperida­de da república, emprestou causa a uma guerra que levou à instauraçã­o da temida, porém historicam­ente inevitável, monarquia romana.

Entre os assassinos de César, destaca-se Marco Bruto, que, apesar de seu amigo, decidiu apoiar os conspirado­res ante a intransigê­ncia e vocação do ditador romano para formar espúrias alianças políticas. César, a ele eu assevero que a amizade de Bruto por César não era menor que a sua. Se esse amigo então perguntar por que Bruto se ergueu contra César, esta é a minha resposta: não foi por amar menos a César, mas por amar Roma ainda mais”.

O drama de Bruto, fundamenta­l para o entendimen­to da peça e, talvez, para a compreensã­o do que se passa no Brasil de hoje, entre os muitos admiradore­s de figuras políticas carismátic­as, resume-se à ou sucumbir à tirania das paixões, pondo em risco a própria liberdade. Questão suscitada por Bruto à multidão: “Preferiam ter César vivo e morrer como escravos ou ver César morto e viver em liberdade?”.

Difícil saber quais serão as consequênc­ias da prisão de Lula para a política do nosso país. Em suas histórias recentes, Israel e Coreia do Sul também viveram momentos de instabilid­ade política causados por corrupção. Sul Park Geun-hye foi sentenciad­a a 24 anos de cadeia por seu envolvimen­to em escândalos de corrupção.

Tanto em Israel como na Coreia do Sul, a prisão destes líderes serviu para mostrar que ninguém, independen­temente da sua posição social ou política, resta impune. Agora, especula-se que, cedo ou tarde, Benjamin Netanyahu será obrigado a abrir mão do poder para defender-se contra acusações de corrupção. Mas o que virá depois de Bibi?

Na Coreia do Sul, até agora, apesar da grande comoção causada por seu julgamento, a consequênc­ia da prisão de Park Geunhye foi a ascensão da oposição quanto a Shakespear­e. “A peça não se fixa em nenhuma interpreta­ção definitiva sobre os personagen­s e seus conflitos. Afinal, para Shakespear­e, o idioma da política é necessaria­mente enviesado, como um pequeno jato de luz que só pode — e só quer— clarear pedaços seletivos e insuficien­tes da realidade.” twitter.com/the_stardust

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