Parte dos recursos que empresas deveriam por lei investir em pesquisa não vem sendo usado. A ideia é usar esse dinheiro de forma mais eficiente para o desenvolvimento da ciência e tecnologia do país
Lançado pelo governo federal há quatro meses, o fundo privado concebido para financiar pesquisas de alto nível e qualificar universidades e institutos nacionais está empacado no Congresso e ainda suscita dúvidas dentro da comunidade científica.
Os recursos do fundo, que podem chegar a mais de R$ 2 bilhões por ano, viriam sobretudo de empresas dos setores elétrico, de bioenergia e petróleo, de telecomunicações e de mineração, que têm de investir ou por contrato ou por dispositivos legais cerca de 1% da receita líquida em pesquisa e desenvolvimento.
Parte considerável desse montante, contudo, acaba não sendo investido, explica Abilio Baeta, presidente da Capes, órgão ligado ao MEC que lançou a iniciativa.
Isso ocorre porque, de acordo com o modelo atual, essas empresas têm a incumbência de construir projetos e encontrar instituições para desenvolvê-los. Quando isso não acontece, o dinheiro acaba se transformando em multas das agências reguladoras ou é transferido para o Tesouro Nacional.
Além disso, afirma Baeta, muitos dos projetos aprovados não têm avaliação de mérito, preocupação com resultados e acompanhamento.
“A ideia é usar esse recurso de forma mais qualificada e eficiente no desenvolvimento científico e tecnológico do país”, diz o presidente da Capes.
O fundo será atrelado ao Programa de Excelência de Universidades e Institutos, que vem sendo elaborado pelo MEC, e a intenção é provêlo anualmente com o dinheiro das empresas que não tiver sido usado no ano anterior. CONGRESSO Inicialmente, o plano era aprovar o fundo por meio de medida provisória. No entanto, resistências dentro do Congresso quanto à utilização desse expediente levaram os proponentes da ideia a tentarem outra solução legislativa.
Para se conseguir uma tramitação mais célere, buscouse então apensar a criação do fundo a um projeto de lei que já estava em tramitação no Senado, após ter passado pela Câmara, e tratava da criação de fundos patrimoniais nas universidades —comum nos EUA e nos quais os rendimentos de doações são utilizados para financiar iniciativas das instituições.
Mas a expectativa da Capes de levar rapidamente o projeto para ser votado no plenário no Senado foi frustrada pelas disputas próprias do jogo político.
A oposição ao projeto vem sendo capitaneada pelo Confies (Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior).
“Num ambiente de escassez de recursos para a ciência, de corte de verbas e de restrição de investimentos em inovação é difícil aceitar que se tire dinheiro de uma política de Estado que existe desde 1997 para colocar em outro programa, por mais meritório que seja”, diz Fernando Peregrino, presidente do Confies. “É descobrir um santo para cobrir outro.”
Os orçamentos do Ministério da Ciência e Tecnologia de 2017 e de 2018 foram, após seguidos cortes e contingenciamentos, os menores em mais de uma década. O orçamento de 2017 passou de R$ 5,9 bilhões para R$ 3,7 bilhões, e o de 2018 era inicialmente de R$ 4,5 bilhões e já
ABILI OBA ETA
presidente da Capes caiu para R$ 4 bilhões.
Na visão de Peregrino, a criação do fundo da Capes vai mutilar um programa de investimentos setoriais bem-sucedido nos últimos 20 anos.
“De 2000 a 2017, por exemplo, o país aumentou quase 50 vezes a produção de barris de petróleo. Isso foi resultado de investimentos feitos com essas verbas”, afirma o presidente do Confies.
Baeta, da Capes, diz que o fundo não vai impedir nenhuma empresa de fazer os investimentos conforme a lei. “Ninguém será obrigado a colocar dinheiro no fundo, mas, se uma empresa não conseguiu investir regularmente, ela poderá transferir esses recursos para ele.”
Para Peregrino, esse cenário é ilusório. “As empresas não só estão agastadas com a burocracia como têm de criar uma estrutura enorme para fomentar a pesquisa. Se você der a chance de elas se livrarem dessa incumbência, elas irão fazê-lo. Ou seja, vai se criar um incentivo para elas não aplicarem os recursos em setores estratégicos e esse dinheiro irá se pulverizar no balcão da Capes.” APOIOS E DÚVIDAS