Folha de S.Paulo

Escalada perigosa

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As tensões entre Estados Unidos e China subiram mais um degrau na semana passada, com a declaração do presidente Donald Trump de que poderá impor novas sanções comerciais sobre as exportaçõe­s do gigante asiático —desta vez, vendas de até US$ 100 bilhões anuais seriam taxadas.

Frustraram-se, assim, as expectativ­as de que haveria um período de trégua para negociaçõe­s após a primeira rodada de tarifas recíprocas anunciada nas últimas semanas, que atingirão US$ 50 bilhões em exportaçõe­s de parte a parte.

Não é o estilo de negociação de Trump, contudo. Para ele, a retaliação chinesa às primeiras medidas foi injusta, tendo em vista o superávit de US$ 350 bilhões anuais no comércio com os EUA. Qualquer negociação, no seu entender, deveria partir da concordânc­ia do parceiro em reduzir a cifra.

Daí a aparente disposição do americano em endurecer a retórica até obter concessões claras, como faz em outros temas. Nesse caso, trata-se de ofensiva perigosa, que pode prejudicar o PIB global —o que traria consequênc­ias até para uma economia pouco aberta ao comércio como o Brasil.

Há riscos em várias frentes, a começar pela reação da China. Se até agora a postura do país asiático foi bem medida para não aparentar fraqueza, de um lado, nem provocar os ocidentais desnecessa­riamente, de outro, nada garante que será assim daqui para a frente.

Trump até pode dispor de alguns argumentos legítimos —como quando questiona exigências de transferên­cia de tecnologia feitas a empresas interessad­as em operar no mercado chinês.

Sua retórica agressiva, entretanto, diminui o espaço para concessões da nação emergente. Além disso, a dinâmica atual do comércio torna mais difícil que uma estratégia unilateral tenha sucesso.

Em contraste com a realidade que vigorava, por exemplo, nos anos 1980, quando os EUA se engajaram numa grande batalha comercial contra o Japão, então visto como grande ameaça à indústria americana, o padrão não é mais de negociação de artigos acabados.

Hoje, as cadeias de produção são integradas, com componente­s fabricados em uma infinidade de países. Assim, qualquer alta tarifária, como a anunciada agora, pode resultar em maiores custos para o próprio país que a adota.

É possível que as escaramuça­s entre as duas grandes potências sejam um rito de passagem para um grande acordo, mas não se pode descartar que erros de cálculo impliquem uma escalada incontrolá­vel, com prejuízos para todos. RIO DE JANEIRO -

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